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16/08/2021 às 14h40min - Atualizada em 16/08/2021 às 14h40min

A tradição importa?

DÉBORA OTTONI
Família Retrato, 1631 por Cornelis de Vos (1585-1651, Belgium)

Dia desses tive uma conversa com um jovem, na qual ele me contextualizava da sua atual situação. Em seu relato, a alegria era notável, e o motivo de sua felicidade era o fato de ele ter descoberto uma parcela da força e potencial que ele possui. E isso se deu quando ele resolveu sair do seu lugar de passividade diante da vida. Através do labor, do atestar o produto do seu esforço, ele descobriu que ele tem uma força e que ela, quando bem direcionada, pode vir a ser útil para o mundo. 

 

Por que essa conversa me marcou tanto? Porque a história desse jovem revela para nós o quanto a nossa geração necessita urgentemente refletir sobre a importância de se compreender a origem, causa e efeito das coisas. Infelizmente, os jovens de hoje vivem para o que sentem e pensam, não têm uma intenção consciente em suas ações, não são agentes ativos em suas vidas.

 

Uma das maiores causas da perda do sentido da existência para o ser humano é ele divergir daquilo que ele foi convocado para ser. Ao ignorarmos a importância de se conhecer a estrutura intrínseca de nossa natureza, nos perdemos por não entendermos para onde devemos ir e o que devemos fazer. Viktor Frankl, neuropsiquiatra, fundador da Logoterapia, dizia: “Quem tem um por quê, suporta qualquer como”.

 

Isso explica porque a nossa geração anda errante, enfraquecida e perdida. Ela não descobriu o seu “por quê”. Frankl, em seus escritos sobre tradição, aborda que o vazio existencial gera a ausência de identidade e, por isso, o sujeito acaba fazendo o que querem que ele faça (autoritarismo), ou desejando fazer o que os outros fazem (conformismo). Logo, está claro que a nossa geração não tem identidade, é uma geração sem referencial. 

 

Tradição, vem do latim traditio, que significa repassar, passar adiante. As consequências da escolha feita pela geração dos nossos pais, em optar por abrir mão da tradição achando que isso era progresso, gerou a angústia de um grande vazio existencial em nosso tempo. Isso porque nós, seres humanos, somos impulsionados a agir, ser, falar pensar, a nos comportarmos a partir de uma ordem, de valores e princípios que são construídos no decorrer da história, que foram repassados por gerações e obtidos por legados. É isso que nos orienta em nossas relações, no nosso dia a dia e em nossas vidas. É isso que nos difere dos animais, que agem por instinto. 

 

É por isso que hoje, como psicóloga, identifico em minha clínica tanto adoecimento. Jovens e adultos fracos, medrosos, embotados, que não conseguem achar uma solução prática quando se deparam com problemas, dificuldades, com a dor e sofrimento. Acometidos por desordens emocionais, transtornos psíquicos, vazios de propósito e sentido de vida. 

 

Não existem mais referenciais que carreguem em si virtudes como a da fortaleza, valores como a beleza, a bondade, temperança, justiça e verdade. Tudo se tornou relativo. Não conseguimos mais desfrutar de virtudes e valores no que é produzido pelo homem. Olhe a nossa música, a poesia, a arte, a arquitetura. Estamos órfãos e carentes de grandes referências, a ponto de os jovens descobrirem a virtude da fortaleza, por exemplo, ao ingressarem em seu primeiro emprego. 

 

Não se constrói uma sociedade evoluída destruindo-se a tradição. Isso só afasta o homem da sua verdadeira essência. Porque há na natureza intrínseca do homem a sede pela ordem e pela moral. Ela clama por força, beleza, bondade, verdade. 

 

Ao se abolir a tradição com discursos de que isso é retrocesso, nós destruímos o ser humano. E as consequências disso são consultórios de psicologia e psiquiatria lotados. É só observarmos os números e o quanto as desordens psíquicas e emocionais cresceram exponencialmente. 

Portanto, a beleza, a verdade e a bondade, valores supremos, absolutos e inegociáveis, importam sim. A tradição, que carrega consigo esses elementos, importa sim! Não dá mais para relativizarmos o que é absoluto. Isso está afastando o homem de sua humanidade. 

 
Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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