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03/07/2021 às 08h00min - Atualizada em 03/07/2021 às 08h00min

É para sempre

ALEXANDRE HENRY
O vídeo durou cerca de quinze segundos, mas sua repercussão vai durar para sempre. Acredito que você viu: nele, a ex-jogadora de vôlei Fernanda Venturini aparece em um posto de vacinação contra a COVID, dando uma declaração de que é contra a vacina, mas que vai se vacinar porque quer viajar pelo mundo. Diz ainda que tomará a vacina da Pfizer, pois é a menos pior. Ela mesma gravou e postou em uma rede social. Claro, o vídeo rapidamente "viralizou" e as críticas vieram aos montes, o que fez com que Fernanda deletasse a gravação e colocasse nas redes outra filmagem para explicar que não era contra as vacinas.

Bom, algumas lições são tiradas desse caso. Primeiro, que se deve conter o impulso de fotografar, filmar ou escrever algo sem antes refletir sobre o conteúdo. Aliás, vou ser mais específico: o impulso a ser contido é o da publicação em si. Claro, gravar vídeos com conteúdos que podem ser polêmicos é sempre perigoso, pois, mesmo que você não publique aquilo, há uma chance da gravação se espalhar de outras formas, seja por você perder seu celular, ser furtado, por alguém dar manutenção no seu computador e encontrar o registro etc. De toda sorte, perigoso mesmo é publicar um conteúdo sem refletir sobre ele.

Se você coloca na rede, não tem mais como tirar. Isso é algo tão óbvio que não precisaria ser dito, mas a maioria das pessoas continua ignorando tal fato. Fernanda Venturini, por exemplo, apagou o vídeo. Adiantou? Existem milhares de cópias dele já. O mesmo vale para um conteúdo que você manda para alguém específico: se a pessoa que recebeu compartilhar, você já perdeu o controle. Agora, pense no que uma declaração polêmica, uma foto de você sem roupas ou tendo uma relação íntima pode causar se todo mundo tiver acesso? "Ah, mas eu não ligo!" - você pode dizer. Sim, talvez você não se importe com isso hoje. Mas, e amanhã? E daqui a dez anos? O tempo não apaga o conteúdo que caiu na internet, pode ter certeza. Daqui a duas décadas, se for preciso, alguém resgatará aquilo para usar contra você.

Outra questão que precisa ficar clara é a de que, especialmente no caso dos vídeos, não dá para dizer que você não quis dizer aquilo se você realmente disse aquilo. Imagine uma situação em que você está em uma roda de duas ou três pessoas e expressa uma opinião totalmente racista. Se os seus ouvintes contarem isso para outras pessoas, você ainda poderá colocar em dúvida a fala deles, dizendo que estão mentindo. Ou, na pior das hipóteses, poderá dizer que entenderam tudo errado e tentar criar outra versão do que você disse. As chances de você não ter grandes problemas são muito grandes. No mínimo, você conseguirá implantar a dúvida na cabeça de quem ficou sabendo da sua opinião racista.

Esse desmentido não é possível quando alguém tem acesso direto à sua fala, por meio de um vídeo, por exemplo, como no caso da Fernanda Venturini. Não tem como dizer que foi mal interpretada, que não é contra a vacina, se ela disse literalmente "eu sou contra vacina", em um contexto que não permitia qualquer outra interpretação que não a literal. Em resumo, se a intenção é falar algo que pode causar problemas, mas não quer que todo mundo pense que você pensa aquilo, então por que registrar em vídeo ou em áudio? O desdito vai parecer apenas uma confirmação do dito ou, quando menos, vai fazer você parecer uma pessoa pior ainda, uma pessoa cheia de ideias que não são as melhores e, para piorar, não tem caráter ou força para sustentá-las.

Eu escrevo para jornais da cidade de Uberlândia há mais de vinte cinco anos, todas as semanas. Já foram mais de 1.300 textos opinativos. Embora eu acredite não ter visões ou opiniões que possam chocar, que configurem crime ou que sejam socialmente repugnantes, é certo que posso não ser tão claro às vezes e acabar sendo mal interpretado. Por isso, o cuidado ao escrever sempre foi a linha mestra dos meus textos, mesmo tendo falhado várias vezes nesse objetivo. De toda sorte, todo texto que publico é antecedido de uma reflexão, ainda que breve, sobre questões como "eu quero mesmo dizer isso?", "eu posso me arrepender dessa opinião?", "eu estou ofendendo alguém maldosamente com meu texto?" e coisas do gênero.

A razão? Ora, ainda que a Constituição garanta a liberdade de expressão, a máxima do bom senso, que está até nas cartas de Paulo na Bíblia, diz que tudo posso, mas nem tudo me convém. Por isso, antes de você publicar qualquer conteúdo, faça uma pausa de um minuto e reflita se, apesar de poder publicar aquilo, realmente convém seguir em frente.


Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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