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19/06/2021 às 08h00min - Atualizada em 19/06/2021 às 08h00min

Um triste vício

ALEXANDRE HENRY
A cena se passou na última quarta-feira (16). Eu estava em casa jantando com a minha filha, quando a minha esposa abriu a geladeira e se deparou com uma barrinha de cereais aberta, com uma mordidinha em uma das pontas. Estava claro que alguma criança levada tinha feito aquilo. Minha filha falou que não foi ela. Na mesma hora, eu e a minha esposa começamos a dialogar sobre que outra criança poderia ter feito a arte e chegamos a dois prováveis culpados, cujos históricos nessa área de mordiscar alimentos e depois abandoná-los não eram bons. De repente, ouvi uma voz bem baixinha perto de mim: “Papai, fui eu”. Na hora, tudo o que eu pude fazer foi elogiar minha filha por contar a verdade, embora tenha chamado a atenção para a necessidade de que tal ato seja feito na primeira oportunidade. Mais tarde, ela voltou a falar comigo: “Papai, alguma coisa me disse que eu tinha que contar a verdade”.

Desde muito pequena, eu tenho tentado colocar duas lições muito importantes na cabeça dela. Primeiro, a de que você deve cumprir o que promete. Segundo, a de que não se deve mentir, pois a verdade sempre é o caminho mais correto. Quanto à questão do cumprimento de promessas, lembro-me de chamar a atenção várias vezes da babá dela que nos ajudou nos três primeiros anos. Em muitos casos, eu a peguei dizendo para a minha filha: “Olha, se você fizer isso, eu vou te dar aquilo”. Mas, era evidente que era só uma enganação e que não daria nada. Aquilo me deixava irado. “Não se ensina uma criança que promessas não são cumpridas!” – falei inúmeras vezes. Como você vai adquirir a confiança plena de uma criança se você diz uma coisa e faz outra? Impossível. Por isso, sempre busquei cumprir tudo o que prometo para ela, mesmo que isso seja complicado. E, quando cumpro, eu sempre ressalto que eu estava cumprindo o prometido, pois é isso o que se deve fazer.

Mas, talvez a minha preocupação maior mesmo seja com a questão da mentira em geral. Eu conheço gente muito boa, gente que eu amo de coração, que tem a mentira como hábito. Você nunca sabe se a pessoa realmente está dizendo a verdade ou se está apenas arrumando um jeito de aliviar a situação dela. Isso é triste. Eu sempre tive como costume dizer a verdade, por mais cruel e dolorida que ela possa ser. Evidentemente, sou imperfeito como é da natureza do ser humano e em várias ocasiões acabei quebrando meus próprios princípios, mas posso dizer que, na maioria esmagadora das vezes, a verdade não é apenas um hábito, mas um objetivo que busco incessantemente. Por mais que seja uma coisa boba, tento não tomar o caminho da mentira.

Não dizer a verdade tem, em minha opinião, duas origens. Primeiro, é uma questão de caráter mesmo, determinado pelos genes que você herdou ao nascer. Assim como há pessoas com maior ou menor pretensão ao vício por substâncias químicas, há pessoas que têm propensão para a mentira. Não que isso seja um carma do qual não se pode fugir, mas é fato que tem gente que precisa de muito mais esforço para evitar esse vício.

E qual é a segunda origem do hábito de mentir? Justamente a criação de um hábito nesse sentido. É natural do ser humano querer tomar o caminho aparentemente mais curto, mais fácil e mais indolor. Se eu enrolei brincando na rede social em meu celular e isso me fez chegar atrasado a uma reunião, por que não culpar o trânsito ou um pneu furado? Se eu não consegui entregar um trabalho no prazo porque não me dediquei suficientemente a ele, por que não inventar que tive algum problema de saúde ou qualquer outro impedimento? A grande questão é que mentir é tão viciante quanto o mais viciante dos entorpecentes. Não é necessário mentir mais do que três ou quatro vezes em um curto espaço de tempo para começar a gostar daquilo, para começar a pensar que boa parte dos problemas podem ser evitados simplesmente mascarando a verdade. Porém, se a verdade se sustenta sozinha, a mentira sempre precisa da companhia de uma ou mais mentiras para se manter. O troço vai virando uma bola de neve então e, em algum momento, aquilo será como a avalanche que você mesmo provocou a te engolir ladeira abaixo.

Se você tem por hábito contar uma mentirinha aqui e acolá com frequência, repense esse comportamento. A confiança é um dos elementos mais importantes nas relações humanas e a mentira é a maior inimiga da confiança. Tente se pautar sempre pela verdade. No começo, você vai achar estranho e até dolorido. Mas, com o tempo, verá o quanto dizer sempre a verdade deixa a vida mais leve e tranquila.


Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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