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17/05/2021 às 19h57min - Atualizada em 17/05/2021 às 19h57min

O enterro do Justino

ANTÔNIO PEREIRA
Naquele 9 de setembro, a cidade acordou diferente. Era 1941. O mundo estava em guerra e vivíamos um momento crítico, com algumas mercadorias racionadas. Gasolina era regrada. Os postos adoravam a situação. Compravam as sobras da Fundação Brasil Central e vendiam no câmbio negro. Quem fazia isso? Quase todos os postos de gasolina. O fotógrafo Roberto Vieira me dizia que o do pai dele, não. Ficava onde é o Hotel Presidente.

A cidade era limitada pelos córregos Cajubá e São Pedro, pelo rio Uberabinha e pela estrada de ferro.

Quem acordou cedo e saiu para o trabalho viu uma estranha procissão de carroças pela avenida Floriano Peixoto. Eram 65. Uma atrás da outra, em ritmo solene. Sete e meia da manhã. Lá na frente, com enfeites fúnebres, uma carroça levava o corpo de Justino Mateus de Melo, solteiro, carroceiro de profissão, filho de Antônio Mateus e Leopoldina Rosa Mateus. Os gozadores logo ligaram o fato ao racionamento da gasolina.

Mas não era nada disso.

Alguns dias antes de sua morte, Justino, que estava bem de saúde, disse à mãe que, quando morresse, gostaria de ser levado ao cemitério numa carroça. Ficou como uma brincadeira, ele tinha 35 anos apenas. Dias depois, um ataque cardíaco fulminou-o. Dona Leopoldina começou a tratar dos papéis para o enterro quando se lembrou do desejo do filho. Naquele tempo, as funerárias levavam os corpos numa furreca enfeitada que o povo chamava de “bererê”. Queria ser levado por uma carroça? Pois que fosse. Dona Leopoldina foi atrás de um carroceiro que forrasse seu veículo de seda branca, pusesse arcos floridos e o levasse à última residência. Mandou avisar todos os carroceiros que seu filho tinha falecido e seria levado ao cemitério numa carroça.

No dia seguinte, os colegas de trabalho de Justino estavam lá na frente de sua casa, na avenida Cesário Alvim, 1.672, Vila Operária, com seu veículo de trabalho. Ajeitaram o caixão na primeira carroça e formaram aquela longa fila fúnebre que foi levando solenemente o jovem carroceiro a seu último abrigo. Na época, o único cemitério existente era o São Pedro.
 
Fonte: Correio de Uberlândia

 
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