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11/05/2021 às 08h00min - Atualizada em 11/05/2021 às 08h00min

Don’Anna bateu no delegado de taco

ANTÔNIO PEREIRA
É um episódio bastante conhecido. Deu-se nos finais do século XIX e envolveu diversas famílias tradicionais. José Teixeira de Sant’Anna, nascido em Cláudio, MG, tronco de ilustre família uberabinhense, foi rábula provisionado pelo Imperador d. Pedro II, farmacêutico licenciado para exercer a profissão em Araguari, Agente Executivo (Prefeito), músico, jornalista, enfim, um múltiplo profissional. Homem andado, não só por força das várias profissões, mas porque era também “cometa” (apelido que se dava aos caixeiros viajantes), um dia aportou em Uberabinha, apaixonou-se por d. Chiquinha Augusta, filha do “Bem das Aroeiras” (Joaquim Marra da Fonseca) e d. Rita, tronco de outra família destacada na cidade. Casaram-se.

Ao estabelecer-se com sua botica de remédios foi denunciado pelo farmacêutico Américo Saint’Clair de Castro, “coió”, seu adversário político, (Teixeira era “cocão”), ao Juiz de Direito, dr. José Antônio de Medeiros Cruz, por exercer ilegalmente a profissão. O rábula defendeu-se alegando que a sua licença estava a caminho, despachada que fora da Capital do Estado para esta Comarca. Não aceitando a justificativa, o Juiz condenou-o a 35 dias de reclusão em sala livre.

O Delegado Militar de Polícia, tenente José Francisco, acompanhado de soldados, cumprindo o mandado, deu voz de prisão ao acusado em sua residência e ia-o conduzindo à cadeia quando ao passar pelo Largo da Matriz (pr. Cícero Macedo) topou com um grupo de amigos e correligionários do Sant’Anna, entre eles o coronel Severiano Rodrigues da Cunha e o capitão Honório Marra da Silva. Havia também adversários, como o tenente coronel José Theóphilo Carneiro que lhe era aparentado, concunhado.

Envolvendo o cumpridor do mandado, essas pessoas tentaram convencê-lo a relaxar a ordem, mas o que conseguiram foi um violento bate-boca. Para que o cumprimento não fosse interrompido, determinou aos policiais que prosseguissem na condução do preso. Os soldados, entretanto, amigos e protegidos do Teixeira, negaram-se a fazê-lo sozinhos, sem o comandante.

Desobedecido e rodeado de adversários, o tenente sacou de um punhal sendo imediatamente agarrado pelo coronel Carneiro. O Delegado Civil, Manoel Felisberto, diante das circunstâncias, assumiu o comando da força e determinou o encaminhamento do preso à cadeia, o que os soldados, pelo mesmo motivo, negaram-se de novo.

As senhoras que assistiam o conflito resolveram entrar nele e o fizeram de forma drástica. Invadiram o estabelecimento do Zé Gonçalinho, logo defronte à confusão, pegaram os tacos de bilhar e partiram para cima do Delegado Militar. Dona Tota, esposa de Dario Luiz da Costa, foi quem iniciou o desnudamento do homem, rasgando-lhe a farda, logo seguida pelas outras.

Don’Anna, que estava grávida, esposa do coronel Carneiro, deu uma tacada na cabeça do tenente que dividiu sua arma em duas.
O sururu continuou, mas o major José Teixeira de Sant’Anna, não muito satisfeito com aquela situação que o seu temperamento calmo e amante do Direito reprovava, abandonou a confusão sem que ninguém percebesse e seguiu sozinho rumo à cadeia e se pôs em sala livre para que se cumprisse a determinação do Juiz.

Conseguindo afastar-se daquele tumulto perigoso, o Delegado Militar quis intimidar seus opositores, armou a tropa e, com ela, fez um passeio marcial acintoso pela cidade. Alertadas do clima revolucionário que tomava conta da cidade as autoridades estaduais recolheram o tenente ao seu Batalhão de origem.

Don’Anna assumiu a responsabilidade pela confusão, foi processada, fugiu, escondeu-se em fazendas de amigos e correligionários de seu marido, por meses até que tudo esfriasse.

Conta-se também que cem mulheres se organizaram na Fazenda Córrego Liso e organizaram um “bota fora” para o Juiz que, antes que o caldo entornasse resolveu sair por conta própria.
 
(Fontes: Tito Teixeira, Roberto Carneiro, A. P. Silva, Ceres Carneiro Alvim)



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