O comércio fechava às vinte. Vinha uma calma de roça. A rua Felisberto Carrejo era de terra. Três ou quatro pessoas arrastavam o piano da tia Rosina até a porta da rua. Acendiam o bico de luz que esticava o pescoço pra fora do chalé. Tia Rosina, ou sua filha Maria, sentava-se ao piano. Na calçada, Angelino na flauta, Aderbal, Antero e Artênio nos violões, Afonso e Duílio nas clarinetas e outros mais e começava a conversa musical entre as famílias primas, Ancone e Pavan.
Era uma vocação familiar.
Angelino veio de Uberaba com 15 anos e foi trabalhar na Livraria Kosmos. Casou-se com Adélia, irmã dos patrões, e fundou a Livraria Pavan. Tiveram uma filha só: Cora. Nasceu nos fundos da Livraria Kosmos. Foi no dia 26 de dezembro de 1925. Começou a estudar piano aos 9 anos com d. Amanda Carneiro Teixeira, depois, com Inocêncio Rocha, o pai da Nininha Rocha e, ainda, com Salvador de Lucca (o Nenê pianista), boêmio paulista que veio tocar na noite uberlandense. Em 1943, foi para São Paulo estudar Geografia e História na PUC e canto e piano no Conservatório Dramático e Musical. Formada, de volta à terra, começou a lecionar piano particularmente até 1957. Cora levava seus alunos a Uberaba para matrículas e provas no Conservatório de lá, do Alberto Frateschi que um dia lhe sugeriu abrirem um Conservatório em Uberlândia. A legislação pertinente exigia um mínimo de dois professores para um Conservatório. Eram eles. Cora concordou e foi buscar no pai o apoio financeiro necessário para a abertura da Escola, o que se deu em 13 de julho de 1957. Já se abre com os cursos fundamental, médio e superior e 180 alunos. Angelino, sempre ajudando, assumiu a Secretaria do Conservatório.
A escola tinha dois pianos apenas e ficava em cima da Agência Lila (de revistas e jornais). Depois, andou por aí, Tenente Virmondes, João Pinheiro, Santos Dumont, onde sossegou. Mas as coisas não eram tão simples. As mensalidades pagas pelos alunos do Curso Superior eram insuficientes para o pagamento dos professores e Cora tinha que usar dos salários que recebia como professora do Colégio Estadual e do Nossa Senhora das Dores. E o Angelino ainda lhe dava uma mesada para completar as despesas.
Em 1965 foram reconhecidos os cursos de piano, canto, violão, acordeom e violino pelo Conselho Federal de Educação. Por essa época, Frateschi, já cansado das viagens (não havia asfalto e a distância era muito maior), tinha se afastado. Lecionaram também nesse período os conhecidos músicos Jean Carlo Bevilacqua, Michele Virno e Remi Couto.
Em 1967, o curso médio foi encampado pelo Estado. Cora doou todo o acervo da Escola, a biblioteca e 16 pianos. Com a Lei de Diretrizes e Bases (1971), os Conservatórios em geral entenderam que seria melhor transforma-los em Centros Interescolares de Artes. Em 1974 foi criado o Cinterartes, que possuía excelente equipe teatral. Em 1978, Cora e os diretores das Escolas Superiores de Uberlândia doaram ao Governo Federal, através do Ministro Rondon Pacheco, seus acervos para que se criasse a Universidade Federal de Uberlândia. A primeira assinatura do Ato de Doação foi de Cora Pavan Capparelli. Ainda continuou por algum tempo diretora do Cinterartes e da Faculdade de Artes, após o que, aposentou-se. Era março de 1989.
Cora Pavan Capparelli não foi apenas professora e musicista. Sua existência foi importante na formação de profissionais artistas não só da música, mas do teatro, das artes plásticas. Participou de movimentos educacionais artísticos em áreas socialmente vulneráveis. Atuou na Associação Pró Música, realizou o Festival de Cordas. Promoveu festivais, visitas de artistas de renome e a apresentação em espetáculos de alunos do seu curso superior.
Seu Conservatório Musical de Uberlândia foi a primeira escola de nível superior da cidade. Ela foi uma precursora.
Era de uma simpatia, de uma simplicidade e de uma firmeza impressionantes.
Sua vida foi um marco na história das Artes em Uberlândia.
Faleceu no dia 12 de março de 2021.
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