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10/04/2021 às 16h01min - Atualizada em 10/04/2021 às 16h01min

O que ficou para trás

ALEXANDRE HENRY
De vem em quando, a gente tropeça em um filme ou livro antigo já conhecido por quase todo mundo, mas até então ignorado por nós. Foi o que aconteceu comigo no final de semana passado. Por acaso, tropecei no filme “Na natureza selvagem” e, impressionado com a nota altíssima dada por usuários de dois portais sobre cinema, decidi assisti-lo.

Lançado em 2007, ele conta a história de Christopher McCandless, um jovem americano de classe média que, depois de se formar na universidade, decide mudar totalmente o rumo da sua vida. Ao invés de fazer o segundo curso superior, como é costume em algumas carreiras nos EUA, ou então de procurar um emprego, ele abandona casa, carro, dinheiro e coisa e tal e passa a viver quase como um andarilho, sobrevivendo do que consegue pelo caminho e acumulando experiências de vida bem distintas das que teria se tivesse seguido o roteiro padrão. Seu plano é chegar até o Alasca e, uma vez lá, ter uma experiência solitária na natureza. O ponto central de sua forma de viver é a rejeição ao materialismo da sociedade americana.

Se você conhece o filme (ou o livro), já sabe o final da história. Se não conhece, não vou estragar o prazer de assistir a essa bela produção. O que importa para esta pequena reflexão é a mudança que Christopher decidiu fazer na vida dele. São pouquíssimas as pessoas que conseguem fazer algo daquela forma, embora muita gente viva e morra desejando dar um giro de 180 graus na própria vida. O fato é que, a cada dia que passa, a cada hora de vida que você acumula, você vai acumulando também laços que se tornam mais e mais firmes, dificultando mudanças bruscas de percurso.

Evidentemente, isso não impede que algumas pessoas tentem revolucionar suas próprias vidas e consigam, ainda que de formas diferentes daquela feita pelo jovem americano do filme “Na natureza selvagem”. O velejador brasileiro Amyr Klink, por exemplo, tinha tudo para seguir na sua carreira universitária de origem, mas decidiu que viveria de uma forma diferente, velejando e conhecendo lugares incríveis. Meu irmão mais velho, conhecido pelo apelido “Clovin”, abandonou uma carreira promissora como gerente bancário para se dedicar a projetos sociais, especialmente a partir de apresentações de ciclismo acrobático.

Como eu disse, essas escolhas não são fáceis e se tornam mais difíceis na medida em que você envelhece. Por isso, a maioria das pessoas que toma um rumo diferente faz isso ainda na casa dos vinte anos, como foi o caso do Christopher, pois ainda não há uma carreira consolidada a pesar na escolha e, na maioria das vezes, também não há uma família com filhos sob sua responsabilidade. Não é impossível, porém, fazer isso depois de certa idade. A diferença é que, em regra, isso demandará abandonar mais coisas do que você teria que fazer aos vinte anos.

É nesse ponto, pois, que mora a grande dificuldade. Como já dizia a velha frase, toda escolha implica em ao menos uma perda. Se você decide ir para o norte ao invés de ir para o sul, você perdeu a ida para o sul. Se você decidiu se casar com o João e não com o Ricardo, você perdeu o Ricardo (embora muita gente tente ficar com os dois ao mesmo tempo). Se você decidiu viver nas florestas do Alasca ou nas geleiras da Antártida, ao invés de seguir em frente com aquele emprego na grande empresa, você perdeu o emprego na grande empresa. Enfim, se você teve que escolher, você teve que deixar alguma opção de lado. Como se desapegar de algo quase nunca é fácil, dar o passo em direção a esse desapego é uma decisão que poucos tendem a realmente tomar.

Eu acredito que escolhas tão radicais quanto àquela feita por Christopher McCandless são para pouquíssimas pessoas no planeta, pois suas implicações são tão pesadas que raras são as pessoas capazes de suportar tais consequências. Mas, há muitas pequenas revoluções na vida pessoal de cada um que seriam realmente bem-vindas e a maioria das pessoas tem capacidade para mudanças assim. O principal para a mudança de rumo é se concentrar na certeza de que haverá uma perda, como eu disse, e que o mais adequado a se fazer é se concentrar no novo caminho, esquecendo-se de tudo o que foi deixado para trás. Isso é imprescindível, pois muito pior do que deixar tudo como está é tentar fazer uma mudança sem abraçar por inteiro o novo caminho, tentando viver o passado e o presente ao mesmo tempo. Isso é receita da infelicidade. Tente, pois, mudar. Mas, se decidir realmente mudar, faça-o com convicção e esqueça o que ficou para trás.
 

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