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10/04/2021 às 15h54min - Atualizada em 10/04/2021 às 15h54min

Por que tanta polêmica criada em relação ao “tratamento precoce” da COVID?

JOÃO LUCAS O'OCONNELL
Na coluna da semana passada, iniciamos uma discussão em relação à persistência da enorme polêmica criada em torno do chamado “tratamento precoce” da COVID. Já chamamos a atenção, por aqui, sobre o quanto o tema é complexo e sobre como é impressionante o fato de que, mais de um ano após a chegada da pandemia ao Brasil, o assunto ainda gere tanta confusão entre grupos médicos e entre grandes entidades médicas representativas. Já descrevemos também como o assunto ganhou novo destaque nas mídias sociais e oficiais com o tenso debate virtual acirrado entre a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina.

Muitas pessoas, que não são da área da saúde, continuam me questionando, abismados, sobre o porquê de opiniões tão diferentes sobre este tema. Apesar de complexo, a discussão deste assunto é bastante interessante, do ponto de vista filosófico. Na verdade, o que explica a grande divergência entre as opiniões é a enorme diferença com a qual os diferentes grupos médicos, e as diferentes entidades médicas, olham para um mesmo problema: a gravidade doença COVID para um indivíduo isoladamente... Explico:

Muitos médicos, muito sensibilizados com o enorme número de internações e mortes geradas pela COVID e amplamente divulgadas na mídia, acreditam que seria extremamente necessário e útil tentar “fazer algo... qualquer coisa...” para tentar ajudar a melhorar o prognóstico do paciente com COVID. Nada mais nobre e digno de louvor! Tentar fazer algo pelo paciente grave, quando a situação é dramática, é muito melhor do que não fazer nada! Com certeza! E, toda vez que um paciente usa o tratamento e sobrevive à COVID, ele fica extremamente grato ao médico que prescreveu as medicações. Afinal, o que poderia ter acontecido se o paciente não tivesse tomado o tratamento? Toda a dramaticidade desta situação gera uma sensação de utilidade e reconhecimento ao médico que alimenta seu ego, lhe enche de orgulho e retroalimenta ainda mais o nobre desejo de ajudar ao próximo. Assim, a ansiedade por continuar tentando ajudar é bastante nobre e compreensível. Com certeza, quando você pula de um avião e não tem um paraquedas para te auxiliar a amortecer a queda, é muito melhor ter um lençol amarrado por cordas do que não ter nada para usar...

O grande problema, que pouca gente consegue enxergar, é que este argumento seria até válido quando aplicado a uma doença altamente letal. Assim, se você tem uma doença que vai matar 90 de cada 100 pessoas, nada mais lógico do que tentar usar tudo o que já tenha sido aventado como útil para o tratamento da doença. Assim, até usar comprimidos de fosfoetanolamida ou a aplicação retal de ozônio parecem ótimas opções para o tratamento de um câncer muito agressivo... Mas, e quando você aplica este mesmo argumento a uma doença em que 99 pessoas (em cada 100 doentes) iriam sobreviver independentemente de qualquer tipo de tratamento utilizado? 

Por outro lado, por mais nobre que seja a intenção de tentar ajudar de qualquer forma, existem vários outros problemas relacionados ao uso de medicamentos não comprovados. Existe um princípio elementar na ética médica que é o princípio da não maleficência. Este princípio estabelece que é vedado ao médico prescrever tratamentos que não estejam amparados em bases científicas e que possam causar efeitos colaterais a seus pacientes.  Assim, apesar de entender a intenção nobre e honrosa dos que defendem o uso de medicações para tentar diminuir a chance de complicações da COVID, é obrigatório lembrar que, infelizmente, o uso das medicações atualmente propostas podem, na verdade, até fazer mais mal do que bem...

Por fim, é preciso lembrar que, apesar da grande polêmica envolvendo o uso de Cloroquina, Azitromicina, Ivermetina, Vitamina D, Vitamina C, Bromexina, Nitazoxanida e de outras medicações utilizadas logo no início dos sintomas da COVID, não há dúvidas em relação ao benefício do tratamento médico utilizado a partir da fase inflamatória da doença. O leitor precisa saber que, para aqueles pacientes que evoluem com maior gravidade (que geralmente se inicia após o 6º dia da doença), o tratamento médico já está bastante consagrado e que não há polêmicas expressivas em relação ao tratamento que deve ser realizado. Assim, para aqueles pacientes que evoluem com maior gravidade, inúmeras medicações já se mostraram extremamente úteis e já ajudaram a salvar inúmeras vidas, em especial, dos pacientes internados. O uso de oxigênio, fisioterapia respiratória, suporte ventilatório, suporte hemodinâmico, corticoides, de outros imunomoduladores, antibióticos e anticoagulantes já se mostraram extremamente úteis e devem continuar sendo utilizados na guerra contra a COVID. Guerra que, aliás, começaremos a vencer em Abril. Isto é um assunto para a nossa próxima coluna...

 


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