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24/08/2024 às 08h00min - Atualizada em 24/08/2024 às 08h00min

Um controle muito rigoroso da pressão arterial: deve ser feito?!

JOÃO LUCAS O'CONNELL
Em meio ao aumento das evidências científicas, um debate caloroso tem tomado forma no campo da cardiologia: devemos seguir um paradigma mais rigoroso quando o assunto é pressão arterial (PA)? Estudos e diretrizes recentes lançam luz sobre os benefícios e possíveis desvantagens de uma abordagem mais intensiva no controle da PA.

Prós do Controle Mais Rigoroso da Pressão Arterial:
1. Redução de Eventos Cardiovasculares: Estudos como o UKPDS (United Kingdom Prospective Diabetes Study) mostraram que a redução intensiva da PA em pacientes com diabetes tipo 2 resultou em uma diminuição significativa nos eventos cardíacos, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). 

Este estudo, junto com os resultados mais recentes do SPRINT (Systolic Blood Pressure Intervention Trial), sugere que alvos de PA sistólica próximos a (ou até menores que) 120 mm Hg podem reduzir a incidência de eventos cardiovasculares em pacientes de alto risco.

2. Benefícios para Pacientes de Alto Risco: O estudo ESPRIT (Effects of Intensive Blood Pressure Control in Hypertension) realizado na China reforçou a importância do controle intensivo da PA em pacientes com alto risco cardiovascular. Com 11.255 participantes, o ESPRIT demonstrou que alvos menores de PA podem ser particularmente benéficos para aqueles com doenças cardiovasculares preexistentes ou múltiplos fatores de risco, como diabetes, dislipidemia e tabagismo.

3. Diretrizes Modernas: As últimas atualizações da Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial também apontam para uma meta de PA sistólica abaixo de 130 mm Hg para a maioria dos pacientes adultos hipertensos, corroborando a noção de que um controle mais apertado pode ser vantajoso. Essas recomendações são baseadas em uma vasta gama de estudos clínicos que fornecem um panorama robusto sobre os impactos positivos de uma PA bem controlada.

4. Melhora na Qualidade de Vida: Além da redução de eventos cardiovasculares, o controle rigoroso da PA pode oferecer uma melhora geral na qualidade de vida, prevenindo complicações a longo prazo que podem resultar em hospitalizações frequentes, perda de função renal e outras comorbidades associadas à hipertensão.

Contras do Controle Mais Rigoroso da Pressão Arterial:
1. Risco de Efeitos Adversos: Uma das críticas ao SPRINT foi quanto à validade e generalização dos achados, destacando riscos potenciais associados a alvos de PA extremamente baixos. O estudo HOPE-3, que investigou os efeitos da redução da PA em uma população com pressão arterial ligeiramente elevada, encontrou que a diminuição agressiva da PA poderia ser prejudicial, indicando um risco de eventos adversos como hipotensão, tonturas e quedas. Esses eventos adversos podem ser particularmente perigosos em idosos, aumentando o risco de fraturas e outras complicações graves.

2. Adaptação Individual: Nem todos os pacientes respondem da mesma maneira ao tratamento intensivo. Alguns indivíduos podem apresentar efeitos colaterais significativos, demandando um ajuste cuidadoso e personalizado da terapia anti-hipertensiva. A abordagem "um tamanho serve para todos" pode não ser aplicável, especialmente em populações idosas e frágeis. Isso significa que a pressão ideal para um paciente pode não ser a melhor para outro, tornando o manejo um desafio para os profissionais de saúde.

3. Ceticismo e Praticidade: A aplicação clínica desses achados ainda encontra ceticismo por parte de muitos profissionais de saúde. A implementação prática de metas tão rigorosas pode ser desafiadora, especialmente em sistemas de saúde com recursos limitados. Além disso, a variação na resposta aos medicamentos anti-hipertensivos e a necessidade de monitoramento contínuo podem sobrecarregar tanto os pacientes quanto o sistema de saúde.

4. Complicações Metabólicas: Algumas terapias intensivas (como o aumento da dose de diuréticos, por exemplo, podem levar a complicações como desequilíbrios eletrolíticos e agravamento de condições metabólicas. Pacientes sob tratamento rigoroso frequentemente precisam de monitoramento íntimo para evitar tais complicações, adicionando uma camada extra de complexidade ao manejo clínico.

Ou seja, o controle rigoroso da pressão arterial apresenta uma série de benefícios significativos, particularmente em pacientes com alto risco cardiovascular. No entanto, é crucial equilibrar esses benefícios com os riscos possíveis e a necessidade de uma abordagem individualizada no tratamento. 

As Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial recomendam metas mais conservadoras e seguras, como manter a pressão arterial sistólica abaixo de 130 mm Hg, refletindo um consenso que busca maximizar os benefícios enquanto minimiza os riscos, especialmente presentes nos idosos mais frágeis, com risco de queda ou com graves obstruções arteriais no cérebro e coração (que podem aumentar eventos com a pressão muito baixa).

Em última análise, a decisão sobre o nível adequado de controle da pressão arterial deve ser realizada em conjunto entre médicos e pacientes, levando em consideração o perfil de risco individual e as evidências mais recentes da literatura médica. O controle mais intensivo da pressão arterial deve ser trilhado com cuidado e precisão, garantindo que cada paciente receba o tratamento mais adequado para suas condições específicas.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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