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30/03/2021 às 08h30min - Atualizada em 30/03/2021 às 08h30min

Homeschooling e a dignidade da escola

Por Mauro Sérgio Santos da Silva, professor de Filosofia e Analista Pedagógico
A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, trouxe à ordem do dia o debate acerca da educação domiciliar por meio de projeto que alteraria o código penal, descriminalizando o famigerado “homeschooling” no Brasil. Ao lado do Programa Escola sem Partido, o “homeschooling”, é prioridade do governo federal para a educação, no escopo da pauta de costumes, ambos capitaneados por Kicis.

A educação domiciliar é uma modalidade de ensino na qual o processo educativo é realizado fora da escola sob a responsabilidade dos pais ou tutores, ao invés de professores. Esse modelo educacional é permitido em mais de 60 países.  No Brasil, - bem como na Alemanha, Espanha e Suécia -, entretanto, deixar de matricular e enviar crianças e adolescentes a uma unidade oficial de ensino configura crime de abando intelectual, o que a deputada governista intenciona modificar em nome de uma pretensa liberdade de ensinar.

A relevância social da empreitada se contrapõe, todavia, há pouca demanda.  A Associação Nacional de Educação Domiciliar estima que apenas 15 mil crianças e adolescentes estejam envolvidas com a prática do “homeschooling”, modalidade de ensino cuja legitimidade já fora negada pelo STF. Ademais, as inúmeras mobilizações populares e governamentais pela não interrupção e/ou retorno das atividades escolares presenciais durante a pandemia da Covid-19 tem corroborado o reconhecimento por parte da sociedade do caráter fulcral da educação escolar. O esforço dos pais e a parafernália tecnológica demonstraram-se insuficientes no período pandêmico, pois a escola possui papéis que transcendem o de mera transmissão de informação. A escola ensina, mas também educa e socializa na pluralidade e na diversidade. A sala de aula não é apenas um centro de conexões. O professor não pode ser elidido pela tecnologia ou substituído por pais sem formação adequada. A escola possui um sentido público. Sua “rason d’être” é eminentemente política. Sua essência é da ordem da coletividade, do interesse comum.

A despeito do entusiasmo ante as tecnologias educacionais, dos ambientes virtuais de aprendizagem, de profecias atinentes ao seu desaparecimento ou dispensabilidade, a escola continua tendo um papel sobremodo relevante para a sociedade e o professor ainda é um sujeito insubstituível no processo educacional.

Segundo Freire, escolas não são apenas “prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos. Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima”. A educação, embora inicie-se na esfera privada, tem continuidade na escola. A escola é a instituição que se interpõe entre o universo familiar e o mundo comum. Ela é fundamental para que os mais jovens se tornem aptos à vida em sociedade, à prática da cidadania, à participação no espaço público. A escola é espaço de iniciação rigorosa (teoricamente fundamentada e metodologicamente orientada) no universo da cultura, do saber e da formação dos seres humanos, abrindo possibilidades concretas de ampliação de horizontes, de desenvolvimento livre e pleno. “A escola não pode tudo, mas pode mais” (Abramowiscz).




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