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20/03/2021 às 08h52min - Atualizada em 20/03/2021 às 08h52min

A idade é proporcional à sabedoria?

ALEXANDRE HENRY
O ser humano viveu durante milênios como caçador e coletor. Eram pequenos grupos que tinham uma vida relativamente nômade, ao sabor das mudanças climáticas e da disponibilidade de alimento. Esses grupos tinham uma estrutura estável e o que cada um enfrentaria ao longo da vida já era, de certa forma, conhecido. Os mais velhos passavam aos mais novos o conhecimento sobre as previsíveis adversidades, como falta de comida, ameaça de animais perigosos ou de outros grupos.

A revolução agrícola, cerca de dez mil anos atrás, mudou o curso da história ao permitir o fim de uma vida nômade e o crescimento dos aglomerados humanos. Mas, no geral, além dessa revolução ter sido lenta, a nova forma de viver continuou sendo tão estável quanto antes, permitindo aos mais idosos saber praticamente tudo o que era necessário e, assim, transmitir aos mais novos. Milhares de anos de passaram e, até poucos séculos, tudo continuava na mesma. Basta você olhar a sociedade ocidental na Idade Média. O sujeito nascia servo e morria servo. Mudanças de classe social eram improváveis. Novidades tecnológicas eram raras e o jeito que uma pessoa vivia no ano de 1.300 não era muito diferente do que outra pessoa havia vivido no ano 900.

Em uma realidade na qual praticamente nada muda ao longo de séculos, viver mais significa entender praticamente tudo sobre como as coisas funcionam. Quanto mais se vive, mais se sabe, mais se pode transmitir. Se você tomar a palavra “sabedoria” como sendo o acúmulo de muitos conhecimentos, então fica evidente que as pessoas mais velhas, ao longo de quase toda a história da humanidade, eram definitivamente as mais sábias.

Mas, aí veio a Revolução Industrial e o ritmo das mudanças passou a ser outro. Com o advento dos meios de comunicação eletrônicos, dos computadores e da internet, a quantidade de novos bens e serviços criados todos os anos é tão grande e tão capaz de alterar as relações sociais que, pela primeira vez, uma pessoa mais velha pode saber muito menos de vários assuntos do que alguém bem mais novo. Em que outra época se viu tantos idosos tendo aulas de tantos assuntos com gente tão mais nova? Nunca. Esse estado mutante das coisas acaba levando a pelo menos dois tipos de pessoas com mais idade: aquelas que gostam das novidades e querem se adaptar, e as que se tornam avessas a “tudo isso novo que está aí”. Neste último caso, o que se tem é, resguardadas as devidas exceções, um comportamento marcado pelo saudosismo e pelo “na minha época, tudo era bem melhor”.

Os dias atuais, pois, acabam por quebrar dois paradigmas em relação aos mais idosos. Primeiro, o de que eles são sempre mais sábios quando se considera sabedoria como acúmulo de muitos conhecimentos. Segundo, o de que eles são sempre mais sábios quando se considera sabedoria como prudência, moderação no modo de agir, temperança, reflexão. Neste segundo ponto, cabe registrar que, ao não conseguirem acompanhar as mudanças sociais e tecnológicas, acabam desenvolvendo o citado comportamento de rejeição ao momento presente, passando a considerar que o que era bom era o que havia antigamente. Isso leva, em muitos casos, a um agir desvinculado da prudência e da reflexão.

Fora isso, há a questão de que, com o tempo, a maioria das pessoas tende a reforçar os comportamentos e crenças natos ou adquiridos ao longo da vida. O sujeito racista se torna ainda mais racista, a pessoa amarga se torna ainda mais amarga, a pessoa atenciosa e carinhosa com os demais se torna ainda mais atenciosa e carinhosa etc. Em resumo, a idade não provoca, em muita gente, uma reflexão capaz de levar a uma mudança de atitude e de pensar dirigida a uma vida mais evoluída, a uma vida mais positiva para si mesmo e para a sociedade. Assim, quebra-se também a máxima de que o mais velho é necessariamente o mais sábio do ponto de vista do discernimento sobre a vida.

Tudo isso não significa que eu esteja condenando os idosos. Eu sou relativamente novo, faço 45 anos agora no dia 24 de março, mas já estou mais perto da velhice do que da juventude. Apesar da minha fala acima, acredito que o ápice da sabedoria só vem como o passar de muitas décadas. Por outro lado, e isso é o cerne do meu texto, o passar de muitas décadas não é garantia de sabedoria, pois são poucas as pessoas que conseguem acumular experiência sem rejeitar as mudanças cada vez mais velozes, sem cair no saudosismo, na falta de reflexão e em tantos outros comportamentos tão contrários ao que se espera de uma pessoa verdadeiramente sábia.
 
 
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