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08/01/2021 às 08h00min - Atualizada em 08/01/2021 às 08h00min

Desisto

WILLIAM H STUTZ

Desisto, entrego os pontos. Não escrevo mais amenidades, crônicas do cotidiano em que buscava sempre o belo, o engraçado, o entretenimento. O alegrar, o arrancar risada, mas sempre levando a alguma reflexão sobre o passar das horas da vida de quem por acaso as lia. Pelo visto, sentido e observado, não anda fazendo bem ser bem-humorado e tentar dividir observações, digamos, inúteis.

Àqueles que muitas e muitas vezes me escreveram, telefonaram ou quando me encontravam, sorrindo compartilhavam alegres de minha forma de registrar a história, peço desculpas. Aos resolvidos, sem perderem a lucidez, o senso crítico e sensibilidade, peço penico, me rendo.

Acho que chegou a hora de, como o quibe, me tornar ácido. Joguei o chapéu, a toalha e o boné. Parei de brincar. Estou de “altas”. Termo é de minha infância em Belo Horizonte. Pedir “altas” era solicitar para dar uma paradinha no pique-pega, na queimada, na bentialtas, esse um quase bete daqui, só que com casinha de vareta e bola de meia. Nada de taco e bola de tênis, a versão tupiniquim do beisebol.

As pessoas andam ávidas por más notícias, por tragédias, por tristezas. Escondem ou descontam nos acontecimentos o seu próprio sofrer, sua própria indignação e revolta com o que a vida anda a lhes oferecer. Uma forma de compensação, vingança ou triunfo sobre suas existências. Ninguém mais quer rir de si mesmo, nem buscar nas paisagens de seu cotidiano o céu azul, o ipê florido ou a criança sorrindo inocente. É mais fácil e confortante/compensador ver o funesto, o triste.

Acompanhar as estatísticas dos acidentes e mortes nas estradas em decorrência dos fins de semana prolongados, a contagem de crimes violentos, os assassinatos em nossos bairros, à nossa porta. Ninguém quer mais o próprio sofrimento e angústias, preferem a dor e o desconforto alheio.

Mas, mesmo assim, ainda me espanto. Um pouco precocemente as festas de fim de ano já se anunciam, e assim, em breve, bem hipocritamente, todos passam a se fazer de felizes e desejar tudo de bom ao próximo. Falsa felicidade, placebo para angústias das vidas. Não se iludam, passado o Réveillon, com o chegar das contas e faturas do cartão de crédito, usado na euforia de um comprar ser feliz, as faces novamente se fecham e novamente passamos a concentrar nossas atenções nas más notícias sazonais. Pois aberta estará a temporada de dengue, enchentes, quedas de barreiras, troca de presentes defeituosos, intoxicações alimentares.

É isso, estou de altas. Pode ser que volte ao normal. Mas hoje não estou para festa de debutante. Afinal, como disse o caipira mineiro da velha piada, quando perguntado se gostava de nudez: Uai, é claro que gosto! "Nudeis” é melhor do que nosso uai.”

Até mais ver. Volto a qualquer momento em edição extraordinária, caso avião caia na mata, ou no bairro da periferia acontecer outro acerto de contas entre traficantes ou mais, um político corrupto for filmado recebendo suborno. Ou, quem sabe, um laboratório farmacêutico superfature medicamentos para o SUS, um gato coma carne em açougue de supermercado que adultera data de validade de tortas de camarão ou, ainda, a nova gripe venha fazer mais milhares de vítimas. E morreu Levy-Strauss.

Plagio o poeta em seu "Dia da Criação": E hoje não é sábado. Nenhuma mulher virou homem, mas há uma tensão inusitada. Nenhum sedutor tombou morto. E mesmo havendo um renovar-se de esperanças, eu me torno, só hoje, em um grande espírito de porco”.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 

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