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22/12/2020 às 08h39min - Atualizada em 22/12/2020 às 08h39min

Domingas e o cursinho de férias

ANTÔNIO PEREIRA
Fui o primeiro Secretário Municipal de Ação Social e de Administração. Duas pastas, com a diferença de que a Ação Social, naquele tempo, englobava Saúde, Educação, Cultura e Ação Social propriamente dita. Muita coisa? Não. Uberlândia era dez vezes menor que hoje.

Campo aberto, tive oportunidade de fazer muitas coisas. Padronizei o ensino rural cujos programas eram aleatórios. Cada professora fazia o seu (eram moças abnegadas, mas, geralmente, apenas com o curso primário, às vezes, incompleto). Contratei uma pedagoga que, mensalmente, se reunia com elas e lhes passava ensinamentos, técnicas etc.
Nas férias de meio de ano, a pedagoga dava um curso mais longo.

Só duas professoras não fizeram esse curso. Uma, não me lembro do seu nome, tinha um problema nos pés que a impedia de movimentar-se. Era idosa, na hora de aposentar-se. 

Da outra me lembro bem. Foi dona Domingas Camin. Era das melhores. Talvez, a mais competente. Dedicada, líder na sua comunidade.

Começou a lecionar a pedido de moças do Quilombo onde ela morou quando veio para cá, em 1957. De graça. Em 1959, o prefeito Afrânio Rodrigues da Cunha nomeou-a professora efetiva da Escola Rural José Camin. Já era idosa, mas gostava daquele trabalho. Quando se mudou para Miraporanga, requereu transferência e usou umas casas velhas como escola. Não havia prédio escolar por lá.

Não fiquei sabendo de suas razões para não fazer o cursinho de férias porque não tratou comigo. Foi diretamente ao prefeito Renato de Freitas. Justificou-se com ele. Renato resolvia as coisas com muita facilidade. Não a dispensou do curso, mas perguntou-lhe pela idade. Diante da resposta, disse-lhe:

“A senhora tem idade para aposentar-se. Por que não requer?”

E ela:

“Eu não quero parar de lecionar. Eu gosto.”

E ele:

“A senhora requer. Eu aposento a senhora e quando as aulas recomeçarem, eu contrato a senhora de novo.”

Aí, ela gostou e topou.

Só eu não fiquei sabendo de nada. Era o jeito do Renato. Eu também fiz muita coisa que ele não ficou sabendo, mas gostou.

Dona Domingas só se aposentou de vez, em 1971. Nas nossas conversas, tempos depois, ela me disse:

“Os meus alunos, alguns prosperaram muito. Os mais inteligentes. Outros ficaram nas fazendas, por sinal que alguns ainda me vêm visitar com a família. Aqui mesmo tem um, com uma porção de filhos que, de vez em quando, aparece por aqui. A moçada toda daqui, aprendeu comigo.”




*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 

 
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