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08/12/2020 às 08h00min - Atualizada em 08/12/2020 às 08h00min

Felizes como em Udistock

ENZO BANZO
Semana passada o meu comparsa de banda e vida Danislau bateu um papo em viva live com o Marco Paulo Henriques, baterista do Uganga. O encontro dos dois, sendo uma reunião de dois grupos, já sinalizou para mim um dado relevante: no Porcas Borboletas, chegamos aos vinte anos de atividade (só mesmo por causa da pandemia, esse é o primeiro ano em que não fazemos shows desde 1999); o Uganga, que já foi Ganga Zumba (fundado em 1993), é ainda mais longevo, com uma trajetória admirável nessas quase três décadas: é articulado tanto aqui na região (uma banda que junta diferentes cidades do Triângulo) quanto internacionalmente, com parcerias nos lançamentos de discos e rolês pela Europa.
 
O fato foi que o papo entre bandas puxou uma leva de outras bandas não só ligadas, mas que compuseram um mesmo corpo em suas misturas. Começou com o Marquinho dizendo ao Danis que se lembrava de um dos primeiros shows do Porcas, ainda com o antigo nome, num intervalo cultural de um colégio secundarista de Araguari. Cutucando a memória, perceberam que ali não se falava do primeiro Porcas, mas de outra banda, o Tulane, que teve uma curta e pulsante existência entre 1998 e 1999. Em comum com o que veio a ser o Porcas, a princípio, havia dois integrantes: Ricardim e eu.
 
Naqueles fins de 90, já havia por aqui referências importantes de bandas não só autorais, mas com uma identidade própria: além do próprio (U)Ganga(Zumba), lembro que o B. O. era o grupo que sinalizava como possibilidade de um som daqui que fosse impactante em qualquer palco que subisse, como subiu de fato. Reverberavam, sem que fosse preciso ter visto um show, as performances nonsense do já então extinto grupo Santa Manca (evocado em uma faixa do primeiro disco do Porcas), que praticava uma espécie de antimúsica experimental que acabou por se constituir como um dado da cena contestadora que por aqui se firmou.
 
Como disse o Danislau na entrevista, a atitude dessa geração carregava um certo ímpeto modernista, uma ideia de subverter as convenções. Na nossa primeira demo, inscrevemos a "Nova Poética" de Manuel Bandeira sobre uma imagem desfocada de uma privada: teoria do poeta sórdido, música nódoa de lama no brim branco. Daí lermos essa história com um olhar antropofágico, o que leva Danislau a dizer ao Marquinho que, se ele estava se lembrando de outra banda, de algum modo era a mesma banda, porque comemos o Tulane.
 
Constato: não só o Porcas Borboletas, mas toda uma cena se construiu entre bandas que comeram bandas e por elas foram comidas. Se de início foi o Tulane, quando o Pau de Bosta virou Porcas Borboletas o fenômeno se deu com a incorporação de dois dos três integrantes de uma banda de rock instrumental que provocava catarses, o Balacabala. Quando o Rafael Pombo veio, trouxe no contrabaixo as linhas quase orquestrais da banda Midas. Em termos de estrada e história, éramos quase a mesma banda que o Filhos da Noite. Do outro lado do espelho estavam nossas amigas do Um Do La Si. E havia mais uma leva de grupos que merecem ser estudados e documentados, não vai caber tudo aqui nesse curto compasso.
 
A banda com a qual mais gostávamos de dividir o palco era o Dead Smurfs. Danislau não hesita em afirmar: eram muito melhores que nós. Esse critério de ser melhor passa longe de apontar os melhores músicos, cantores, ou qualquer elemento técnico. Passa pela força e vitalidade na deflagração de um ritual elétrico entre palco e plateia: provocar um estado de exceção no tempo e no espaço, instaurar um acontecimento que é outra coisa. É o que buscamos no Porcas Borboletas, e talvez seja um traço que una e identifique todo esse conjunto: transformar um show em rito; acreditar em um outro modo de ser e estar no mundo, transgredir a linearidade previsível dos dias. Ser felizes como em Udistock.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
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