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05/12/2020 às 08h00min - Atualizada em 05/12/2020 às 08h00min

Danos morais e imorais

ALEXANDRE HENRY
Você já sofreu algum tipo de dano moral? A pergunta é pertinente porque, no Brasil, existem milhões de processos judiciais nos quais as pessoas pedem indenizações para reparação de danos dessa natureza. Talvez seja o seu caso. Ou, como falaremos aqui, talvez não seja.

Mas, o que são danos morais? Se você fizer uma consulta básica à Wikipédia, fonte rotineira de informação de quem é leigo na área jurídica, lerá lá que se considera dano moral “quando uma pessoa se acha afetada em seu ânimo psíquico, moral e intelectual, seja por ofensa à sua honra, na sua privacidade, intimidade, imagem, nome ou em seu próprio corpo físico, e poderá estender-se ao dano patrimonial se a ofensa de alguma forma impedir ou dificultar atividade profissional da vítima”.

Dá para notar, lendo essa definição, que há uma gigantesca zona cinzenta sobre o tema. Advogados, juízes e todo mundo que trabalha nesse universo de leis e processos judiciais vive se debatendo para achar uma definição segura. Alguns casos são evidentes e nem geram controvérsia, como na hipótese em que uma mãe vê seu filho perder a vida após ser atropelado por um caminhão de uma empresa que avançou o semáforo vermelho. Perder um filho é simplesmente a dor maior que alguém pode ter. Por isso mesmo, os debates nessa esfera tendem a se resumir à quantificação das indenizações, pois aí entramos em outra esfera complicada: quanto vale a dor de uma mãe que viu o filho perder a vida na sua frente? R$ 50 mil? R$ 100 mil? R$ 1 milhão?

Voltemos para a outra zona cinzenta. Se você vai a um banco resolver um problema na sua conta, toma um chá de cadeira de duas horas e sai de lá sem conseguir resolvê-lo, você sofreu danos morais suficientes para obrigar o banco a pagar uma indenização para você? Peguemos outro exemplo. Você comprou um carro novo e esse veículo começou a dar problema logo na primeira semana. Você passou um ano entre idas e vindas à concessionária, tentando reparar aquele defeito misterioso no seu veículo novinho, mas sem sucesso. Você sofreu dano moral indenizável?

Não adianta procurar na lei que você não achará resposta para esses dois últimos casos. Não há lei que defina com exatidão quando se tem um dano de ordem moral e quando se tem um mero aborrecimento. Entra em cena então uma palavrinha que já está se tornando conhecida também para quem não é formado em Direito: jurisprudência. Basicamente, ela corresponde ao entendimento que vai sendo formado nos tribunais sobre determinado tema. Quando se trata de uma questão não resolvida diretamente pela lei, o acúmulo de casos julgados em um tribunal vai, aos poucos, deixando mais clara a solução de uma questão específica. Pegue-se o exemplo de um preso que está confinado em uma penitenciária superlotada, vivendo em uma situação degradante. Havia juiz que entendia que isso configurava dano moral indenizável, havia juiz que entendia o contrário. A lei, por sua vez, nada falava sobre essa situação específica. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que sim, o preso sofre dano moral indenizável nesse caso.

O que me motivou a escrever o texto de hoje foi justamente um julgamento sobre o assunto, mas não esse aí do preso. Falo de uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que parece revelar uma tendência a se reduzir, no Judiciário, a quantidade de indenizações por danos morais. O caso julgado envolvia uma pessoa que fez um financiamento para comprar um carro usado, pagou prestações e, somente depois de 90 dias, o banco enviou o contrato, quando então esse cliente descobriu que o carro já estava com alienação financeira para outro banco, o que impossibilitaria a conclusão da compra. Além disso, o carro tinha problemas mecânicos.

Para você, isso configura um dano moral que deve ser indenizado? O STJ entendeu que não. Segundo os ministros, o “uso da reparação dos danos morais como instrumento para compelir o banco e a vendedora do veículo a fornecer serviço de qualidade desborda do fim do instituto”. Basicamente, o tribunal decidiu que o fato de um serviço de uma empresa ser ruim não significa dano moral indenizável. Por que essa decisão é importante? Porque há milhares de processos no Brasil que pedem indenizações com base justamente em serviços ruins. Provavelmente, você mesmo já passou por isso e, talvez, até tenha ganhado uma indenização. A prevalecer esse entendimento do STJ, a tendência é que se reduzam bastante os casos em que a Justiça acolhe pedidos de indenização por danos morais.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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