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04/12/2020 às 11h38min - Atualizada em 04/12/2020 às 11h38min

​Esgotamento da retórica bolsonarista

Adir Claudio Campos*
O segundo turno destas eleições atestou dois fenômenos: o primeiro é uma notável votação da esquerda nas grandes cidades, como São Paulo, Porto Alegre e outras, depois de uma massacrante campanha da direita iniciada em 2013 e concluída em 2018. O segundo é que tudo leva a confirmar antecipadamente que esse movimento ultraconservador em torno de Bolsonaro não vai além de um medíocre voo de galinha. A derrota de Trump, aliás, é um bom exemplo. Tanto falatório invocando intervenção divina, e sequer resistiram ao teste do primeiro mandato.

De fato, é evidente o aborrecimento do eleitorado com tanta tagarelice de “fazer-diferente-disso-tudo-que-está-aí”. Não só não estão fazendo diferente do que tanto criticaram, mas estão fazendo pior em muitos aspectos, notadamente na condução da economia, que é o nervo mais sensível deste como de qualquer governo.

Apesar dos erros de administração aqui e acolá, a crise mundial que atinge a economia capitalista desde meados dos anos 70 não é causada por defeito administrativo. Nestes 50 anos, a economia dos EUA e de outros gigantes está patinando em uma crise atrás da outra, como a de 2008, sem perspectivas de solução, e tende a se agravar. O Brasil não é uma ilha, e sofre seus efeitos. 

As causas dessas crises são profundas e dizem respeito à natureza do capitalismo, que é um modo de produção condenado historicamente a enfrentar colapsos cada vez maiores e devastadores. E a causa disso – cientificamente provada – é a elevação da produtividade do trabalho, que cada vez produz mais riquezas com dispêndio cada vez menor de trabalho. 

O segredo de todas as crises capitalistas é precisamente este: o baixo dispêndio de trabalho causado pela crescente automação impede o capital de produzir valor novo suficiente para repor os meios de produção e a força de trabalho, e garantir taxas de lucros mínimas para manter o mercado e suas compras e vendas funcionando. O resultado disso é que o capital financeiro, que não produz uma agulha de riqueza e vive de especulação monetária, virou uma bolha inchada que estoura de tempos em tempos sem que nenhum governo neoliberal ou keynesiano consiga impedir. 

Por isso que são manifestamente enganosas as promessas de resolver a crise com corte de gastos públicos e redução de moeda; de reduzir a importância regulatória do Estado deixando que o próprio mercado se autorregule. Seria algo similar à ideia de deixar que os próprios motoristas decidissem como deveria funcionar o trânsito. Os neoliberais querem vender a ideia de que seria bom enfraquecer o papel regulador do Estado e deixar livre de controle público os negócios privados. Não dizem, mas a finalidade é que o interesse privado deve prevalecer sobre o interesse público e social. 

Uma ideia sem juízo, pois não há nenhuma grande economia que tivesse prosperado sem acentuado comando estatal, conforme demonstra a história dos EUA nos anos 30; Japão e Europa no pós-guerra. Uma sociedade desigual e deformada como a brasileira jamais poderá fazer um voo de águia sem uma forte atuação do Estado. E a história prova isso: entre 1930 e 1980 tivemos a criação de estatais decisivas para a nossa industrialização. Foi o período mais próspero da história, aquele no qual o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo, a taxas médias de 6,5% ano (dados de Leda Paulani, professora da FEA-USP). Os fatos, a toda vista, desmentem o neoliberalismo.

Para frustração geral, nem Temer e tampouco Bolsonaro com suas reformas trabalhista e previdenciária estão trazendo de volta os anos de prosperidade roubados pela crise política e econômica de 2015 e 2016. Pior, o rombo nas contas públicas não para de aumentar, e se aproxima tenebrosamente em 2020 dos 100% do PIB; desemprego de mais de 14%. 
O resultado destas eleições já indica que o povo está se cansando rapidamente da retórica bolsonarista. E confirma o aforismo que diz: “As palavras não podem esconder os fatos”. Pelo menos, não por muito tempo.

* Advogado e mestre em direito público.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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