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31/10/2020 às 08h00min - Atualizada em 31/10/2020 às 08h00min

Ilusões de mudança

ALEXANDRE HENRY
Tem muita gente, mas muita gente mesmo, que sonha em morar em uma cidade de praia, de preferência bem à beira-mar. Se a janela do quarto der direto para a praia, melhor ainda. O pensamento é um só: acordar com aquela visão maravilhosa, poder tomar um banho em mar quase todo dia, sentir o clima de férias mesmo em uma quarta-feira de trabalho.

Mas, não é bem assim. Outro dia, vi uma postagem de uma pessoa que mora em cidade litorânea falando justamente dessa ilusão. As pessoas que desejam uma vida na praia pensam apenas no lado bom, mas se esquecem de algumas coisas que incomodam bastante. A maior delas talvez seja a maresia, que arrebenta com tudo dentro de casa. Tem também o fato de que muita gente que mora em cidade litorânea pouco vai à praia. Sim, é desse jeito mesmo: a partir do momento em que você tem algo à disposição todos os dias, o valor daquilo cai bastante e você não dá mais tanta importância para o que, antes, parecia a você o diamante mais raro do mundo.

Quem é do interior costuma falar muito em São Paulo, na infinidade de restaurantes, teatros e outras coisas bacanas para se fazer por lá. Reclama, por exemplo, das limitações de uma cidade como Uberlândia. Eu morei em São Paulo durante quatro anos e sei bem como são as coisas. Hoje em dia, quando viajo para lá para passar um final de semana, eu vou a dois ou três restaurantes, assisto a uma peça de teatro e ainda arrumo um monte de coisa legal para fazer. Mas, e quando eu morei lá? Bom, para começo de conversa, eu passava horas no deslocamento de casa para o trabalho. Certo dia, choveu e a cidade virou um caos. Custei quase quatro horas para chegar à minha residência. Pensei naquele dia: “nossa, se eu estivesse indo de carro para Uberlândia, já estaria quase chegando à divisa com Minas Gerais”. Você acha que eu ia a teatros e restaurantes todos os dias ou ao menos toda semana? Não. Eu ficava tão cansado com aquele trânsito, com fila para tudo, além de já arcar com os custos gigantescos de uma megalópole, que só queria ficar no sossego do meu apartamento nos dias de folga. O que eu aproveito hoje em dia em um final de semana paulistano é mais ou menos o que eu aproveitava ao longo de um semestre todo por lá.

Quem mora na praia costuma ter reclamações também, como as que eu falei. Sem contar que, se for uma cidade turística, o lugar vira um caos durante a temporada. Tudo sobre de preço, as filas para coisas banais, como comprar um pão, ficam gigantescas e os congestionamentos tornam o cotidiano um horror. Uma coisa é você pegar trânsito para ir passar o dia na praia. É ruim? Claro! Mas, é aceitável, já que o retorno será muito bom. Outra coisa é enfrentar trânsito todo dia, durante a temporada, para ir trabalhar.

Algo parecido acontece com quem mora na cidade e vive sonhando em se mudar para a roça. Parece que, se pegar uma estrada de terra, tudo vira uma maravilha, uma perfeição. Longe disso. Exceto se você se mudar já aposentado, com renda mensal garantida e tempo de sobra para aproveitar o sossego do campo, morar na roça tem tantas dificuldades que o sonho pode virar pesadelo. Conheço um casal que decidiu abandonar o comércio na cidade para viver a pacata vida de pequenos produtores rurais de verduras. A ideia era bem interessante: produzir quiabo, alface e coisas do gênero e vender na Ceasa em Uberlândia. A realidade: trabalho sem trégua de domingo a domingo, tendo que acordar no meio da madrugada em todos os dias de levar a produção para a cidade. Uma rotina tão exaustiva que, depois de alguns meses, retornaram para Uberlândia.

Evidentemente, não estou dizendo que morar na roça é um horror, que viver em uma cidade de praia é a pior coisa do mundo ou que não se possa ser feliz em uma grande capital. Não é isso. A mensagem aqui é outra: se você tem um sonho desses, coloque na balança não apenas o lado bom do destino desejado, mas também todas as dificuldades próprias do local, além, é claro, de outras como a distância da família e, no caso da roça, da falta de alguns confortos da cidade. Essa reflexão sobre o que você encontrará de dificuldade é importante para não se frustrar posteriormente, lembrando que certas mudanças acabam por se tornar irreversíveis ou de altíssimo custo para serem desfeitas. Assim, antes de dar esse passo decisivo em sua vida, tente aproveitar tudo de bom de onde você vive e, se possível, faça uma experiência curta no local sonhado, durante as férias. A chance de você tomar a decisão correta, seja qual ela for, será bem maior se você tomar esses cuidados.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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