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16/10/2020 às 08h30min - Atualizada em 16/10/2020 às 08h30min

Classificando objetos

ANA MARIA COELHO CARVALHO

A necessidade de classificar objetos, animais e plantas sempre fez parte da natureza humana. Assim, além da classificação científica dos seres vivos, existem inúmeras outras que variam de acordo com cada classificador, dependendo do contexto em que são criadas. Quando eu era professora de zoologia, gostava de introduzir a classificação dos animais citando a “Classificação do Imperador", que aparece em certa enciclopédia chinesa. Os animais foram classificados em: 1) pertencentes ao imperador 2) embalsamados 3) domesticados 4) leitões 5) sereias 6) fabulosos 7) cães em liberdade 8) incluídos na presente classificação 9) que se agitam como loucos 10) inumeráveis 11) desenhados com  pincel  fino de pelo de camelo 12) etc 13) que acabam de quebrar a bilha 14) que de longe parecem mosca.

 Acho-a interessantíssima.  Decerto foi o imperador quem a fez e agrupou no primeiro item a maioria dos animais. Os que não sabia, colocava no "inumerável" ou no "etc".

Também tive necessidade de classificar milhares de objetos por motivo de mudança de casa para apartamento. Deveria ser uma coisa simples, mas foi mais difícil do que escalar o monte Everest. Como o imperador, que classificou os animais, elaborei a seguinte “Classificação de objetos": 1) Levar para o apartamento 2) Reformar e levar 3) Doar para o "cata treco" da prefeitura 4) Doar para reciclagem 5) Doar para as escolas 6) Doar para algum museu ou brechó 7) Doar escondido do Zé, meu marido 8) O que faço com isso 9) Fotografar e colocar em site de vendas 10) Abandonar na casa 11) Deixar na calçada pra alguém catar 12) Levar pra fazenda 13) Usar a criatividade e transformar em presente 14) Colocar no carro e sair perguntando quem quer.

Dando alguns exemplos: conforme item 14, "colocar no carro", enchi o mesmo de eletrônicos e saí perguntando nas lojas de conserto se queriam aproveitar as peças. Ninguém queria, mas apareceu um senhor que estava montando uma escolinha e levou tudo. Em 5, "doar para as escolas", levei duas caixas de papelão imensas, com livros de ensino médio para uma escola estadual. No item 2, "reformar e levar", estava um catre de 200 anos, que foi da minha bisavó, eu iria fazer pátina nele. Em 13, "transformar em presente", descobri as cartas do meu filho, escritas há 22 anos, quando ele estava em Londres. Interessantíssimas e detalhadas.

Organizei em um fichário e dei de presente pra ele, nunca receberá outro igual. No item 6, "doar pra algum museu", estava o meu bonecão de louça que ganhei do meu pai, quando o de papelão derreteu. Em 8, "o que faço com isso", estava a caixinha com os dentinhos de leite dos seis filhos e o meu vestido de noiva, feito de crochê rococó, pontinho por pontinho. E a Tânia, uma boneca única, que teve seus grandes olhos azuis arrancados pelo filho em briga com a irmã (foram recolocados). Em 7, "doar escondido do Zé", estavam as camisas do time querido dele, o XV de Novembro, extinto há séculos.

Existiam ainda milhares de objetos que não se classificavam em nenhum item e eu precisava dar um destino a eles. Não sei por que guardamos e temos tanta tranqueira. Lembro-me que, quando minha filha fez o Caminho de Santiago, passou 40 dias caminhando e carregando uma pequena mochila com poucos pertences. Uma das lições que aprendeu na peregrinação foi que precisamos de muito pouco para viver.

Além de tudo, na época, o marido e o filho estavam fazendo um complô para não nos mudarmos da casa. Quase alterei a minha lista para "Classificação de objetos e pessoas". Pensei em classificá-los no item 9:" fotografar e colocar em site de vendas".

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 

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