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24/09/2020 às 08h00min - Atualizada em 24/09/2020 às 08h00min

O prato de nhoque  

Em fevereiro de 2013, juntamente com familiares e amigos, fizemos um cruzeiro em um navio luxuoso. Treze andares com escadarias e elevadores dourados, salões diversos, teatro, cassino, corredores compridos atapetados, restaurantes finos, piscinas de todo tipo, comida à vontade, muitos shows e diversão. A bordo, 3.500 passageiros (alguns vomitando) e quase 1.000 tripulantes de várias nacionalidades, singrando os mares. O mar, meu Deus, o mar! Uma imensidão azul, se encontrando no horizonte com o céu, lindo.

Em meio a tudo isso, o Zé, meu marido, e eu. Ele, dizendo que o navio era um regime de engorda, só comer e dormir. E eu, querendo aproveitar cada minuto e conhecer tudo. Nesse contexto, certa noite fui jantar com o meu grupo. Éramos sempre seis pessoas na mesa, mas nesta noite faltava o Zé. Ele estava com dores no corpo e preferiu ficar na cabine (o que mais gostou no navio foi da cabine, de ficar esparramado na cama larga). Eu estava faminta, esfomeada, nervosa de fome e resolvi pedir quatro pratos: uma massa enroladinha de entrada, salada, nhoque e o prato principal, lagarto fatiado com arroz e legumes (felizmente não pedi sobremesa). Deliciei-me com o primeiro e o segundo pratos, mas quando o garçom trouxe o nhoque, desanimei. Estava bonito e apetitoso, com muito molho e queijo ralado por cima, os pedacinhos de nhoque caprichosamente dispostos no prato. Mas eu pensava no prato principal, que ainda teria que comer, e fiquei angustiada. Tentei empurrar o prato pra alguém da mesa. Não deu certo. Sugeri dividir um pouquinho pra cada um. Não quiseram. Fiquei então num dilema, não poderia desperdiçar um prato daqueles, tão gostoso e com tanta gente passando fome no mundo. Daí, tive uma ideia genial: levar o prato pro Zé, que estava sozinho e abandonado na cabine, na certa com fome. Mas não sabia se podia sair de um restaurante tão distinto, carregando um prato de nhoque. Ainda mais no famoso dia do jantar do comandante, com as mulheres de vestidos longos, cheias de colares, e os homens de terno e gravata.  Os companheiros da mesa me apoiaram e resolvi arriscar. Tampei o prato de nhoque com outro prato e fui saindo de fininho. No que dei três passos, fui cercada por dois garçons e pelo “chef de cuisine”. Vergonha total, eu me sentindo uma assassina, gente olhando. Perguntaram o que eu ia fazer, expliquei que meu marido estava doente e que ia levar o nhoque pra ele. Disseram que não podiam permitir, pois eu poderia cair com o prato, me cortar toda, perder muito sangue, quebrar a perna e culpar o restaurante. O “chef” falou grosso, com um sotaque estranho, que tinha gente pra fazer isso, anotou o número da minha cabine e tomou o prato das minhas mãos, nem pude fazer nada. Voltei cabisbaixa pra mesa. Pensei: “mesmo se quiserem entregar, nunca vão conseguir acordar o Zé batendo na porta”. Comi o prato principal, dei umas voltas pelo navio e até me esqueci do incidente.

Mais tarde, quando abri a porta da cabine, fiquei surpresa: eles tinham mesmo levado o nhoque e conseguido acordar o Zé! Ele estava sem camisa, sentado na cama e saboreando o prato de nhoque, que estava numa mesinha dourada. Contou que bateram “muuuito” forte na porta, ele abriu e entrou um asiático alto, que falou “bueno apetito”. O Zé ficou feliz e emocionado por eu ter me lembrado dele. Na verdade, não foi bem assim, mas valeu, pois ele disse que foi o melhor prato que comeu no navio.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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