Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
12/09/2020 às 08h00min - Atualizada em 12/09/2020 às 08h00min

Especialização precoce

ALEXANDRE HENRY
Você já ouviu falar da regra das 10.000 horas? Segundo essa regra, se você quiser ter uma habilidade excepcional em alguma coisa, precisa praticá-la por essa quantidade de horas. Obviamente, isso é muito tempo. Se você gastar oito horas por dia, durante seis dias por semana, sem férias e sem descanso, serão anos e anos para atingir tal montante. Logo, a conclusão a que se chega, se não for o caso de desistência de tal empreitada, é que a pessoa deve começar muito cedo se quiser realmente ser excepcional em algo.

Esse é justamente o tema da palestra de David Epstein que você encontra no portal do TED (www.ted.com), com o título “Why specializing early doesn’t always mean career success” (em uma tradução livre: “Por que se especializar cedo não significa sempre sucesso na carreira”). Achei a fala de Epstein extremamente importante para quem cuida da educação de crianças, pois muita gente tende, no desejo louvável de que seu filho tenha sucesso na vida, a insistir para que ele se especialize em algo logo cedo. Pode ser futebol, piano, matemática, enfim, é bastante comum, principalmente entre crianças de classe média e alta, que os pais mirem alguma atividade e procurem estimular os filhos a se concentrarem nela ao máximo, desde bem cedo.

No geral, especialmente se isso não estiver fazendo mal para a criança, não vejo tanto problema em estimulá-la a se dedicar a uma atividade específica. Tem gente que, desde muito pequena, já parece moldada quanto ao futuro profissional e, nesses casos, se realmente não houver dúvidas, é interessante deixar a criança realmente mergulhar naquele mundo específico. Porém, e é aí que entra a fala de Epstein, há que se tomar cuidado com a ideia de que a especialização precoce é o único caminho para o sucesso ou que pode significar a certeza de uma carreira premiada.

Epstein dá um exemplo de alguém que ele analisou. Transcrevo a fala dele: “Aqui está ele [a criança analisada por Epstein] aos seis anos, vestindo um kit de rúgbi escocês. Ele tentou um pouco de tênis, esqui, luta livre. Sua mãe era na verdade uma treinadora de tênis, mas ela se recusou a treiná-lo porque ele não devolvia as bolas normalmente. Ele jogou basquete, tênis de mesa, natação. Quando seus treinadores queriam subir de nível para jogar com meninos mais velhos, ele recusou, porque ele só queria falar sobre luta livre profissional após o treino com seus amigos. E ele continuou tentando mais esportes: handebol, vôlei, futebol, badminton, skate ... Então, quem é esse errante? Este é Roger Federer”.

Se você não acompanha o tênis profissional, saiba que Federer é considerado o maior jogador de toda a história desse esporte. Prestou atenção ao desenvolvimento dele? Tentou inúmeros esportes e, quanto ao que o levaria ao estrelado, não começou cedo porque sua mãe, que era treinadora justamente de tênis, achava que ele não devolvia as bolas como deveria. Uma criança dessas, aos olhos da maioria dos pais, nunca seria vista como uma futura campeã de um torneio internacional de tênis e, para outro tanto de pais, seria rotulada desde cedo como fracassada, sem futuro ou coisas do gênero.

Epstein dá outros exemplos. Duke Ellington, um dos maiores músicos de jazz da história, evitava aulas de música quando criança para se concentrar no beisebol, na pintura e no desenho. Maryam Mirzakhani, talvez a matemática mais reconhecida no mundo, não se interessava por essa disciplina quando criança e sonhava em ser romancista. Van Gogh, um dos pintores mais destacados da história da humanidade, teve cinco carreiras diferentes antes de se dedicar às pinceladas.

Segundo Epstein, ao ter contato com conhecimentos e práticas de várias áreas distintas, a pessoa consegue desenvolver sua mente de forma mais completa, consegue ter uma capacidade mais destacada de enxergar o todo. Não que se negue a necessidade que temos hoje em dia de profissionais ultraespecializados, os quais são realmente necessários em um mundo no qual o conhecimento acumulado tem se tornado tão vasto. O que ele prega, em resumo, é justamente o benefício de uma formação mais ampla e, principalmente, de não se ter como único caminho para o sucesso essa superespecialização precoce.

Se puder, assista à palestra dele, especialmente se você estiver educando crianças ou ainda for novo e estiver preocupado em como irá se especializar profissionalmente. Acredito que a palestra de Epstein, que traz outras informações interessantes além das que passei aqui, irá abrir um pouco mais sua mente sobre o tema. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90