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11/07/2020 às 10h16min - Atualizada em 11/07/2020 às 10h16min

A torcida pela morte de Bolsonaro

ALEXANDRE HENRY
Causou bastante polêmica o artigo do jornalista Hélio Schwartsman publicado na Folha de S. Paulo, no último dia 07, com o título “Por que torço para que Bolsonaro morra”. Transcrevo parte do texto: “A vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas”. Schwartsman continua: “A crer num estudo de pesquisadores da UFABC, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos”. Por isso, completa o jornalista: “(...) Dá para argumentar que a morte, por Covid-19, do mais destacado líder mundial a negar a gravidade da pandemia serviria como um ‘cautionary tale’ de alcance global. Ficaria muito mais difícil para outros governantes irresponsáveis imitarem seu discurso e atitudes, o que presumivelmente pouparia vidas em todo o planeta”.

Schwartsman nada mais fez do que defender o chamado pensamento consequencialista, o que ele reconhece em seu texto, pensamento esse que é identificado por alguns autores como “utilitarismo”. Basicamente, a ideia é a de que você deve levar em conta as consequências de uma ação, não o caráter dela. Vamos pensar em um exemplo extremo. Hoje, milhares de pessoas estão morrendo por Covid-19 e milhões vão penar bastante se as restrições impostas pela pandemia persistirem por mais alguns meses. E se a gente tivesse uma solução mágica para acabar com tudo isso amanhã mesmo, cessando os óbitos, as internações e permitindo a retomada imediata de toda a roda da economia mundial? Excelente, não? Mas, e seu eu dissesse que essa solução mágica somente seria conseguida se uma criança (uma só) fosse torturada por horas a fio, até morrer de forma absolutamente dolorosa?

Sim, meu exemplo é radical e não factível, mas o seu extremismo serve para dar uma ideia geral do que é defender a valoração das consequências, não da ação em si. Torturar e matar uma criança inocente é algo repugnante, mas pensar que isso pode salvar milhares, talvez milhões de pessoas, legitima esse ato (na visão utilitarista). Em resumo, as consequências positivas para a sociedade seriam tão grandes que justificariam tal barbárie.

Saindo do extremismo, a gente acaba vendo a materialização de ações consequencialistas ou utilitaristas quando há sacrifício de um animal em prol do rebanho inteiro, algo comum na vida de quem trabalha com pecuária. Não é, pois, um agir tão estranho ao nosso cotidiano. Porém, é evidente que acaba sendo algo chocante quando envolve a vida de um ser humano e é por isso que o artigo do Hélio Schwartsman causou tanta repulsa, a ponto de a própria Folha de S. Paulo publicar um editorial dizendo que a visão daquele jornal era diferente.

Eu entendo a lógica do pensamento utilitarista, mas entendo também a revolta provocada pela defesa que o jornalista fez em relação à morte de Bolsonaro. Como bem trabalha Yuval Harari em seu livro “Homo Deus”, vivemos em um sistema cultural, ao menos desde a revolução agrícola há alguns milhares de anos, que coloca o ser humano acima dos animais, o único com alma e que, por isso mesmo, tem o direito de subjugar os demais animais. A própria Bíblia ensina que os bichos estão no mundo para nos servir. Por isso, não nos importamos quando o rebanho inteiro de uma região é abatido por conta de um surto localizado de aftosa, mas não conseguimos aceitar a ideia de matar um só ser humano para salvar várias vidas também humanas. É da nossa cultura rejeitar tal utilitarismo quando envolve nossos semelhantes.

Mas, mais do que isso, uma solução tão radical quanto a defendida por Schwartsman somente poderia ser aceita quando não víssemos mais nenhuma saída, o que não é, definitivamente, o caso de Bolsonaro e sua relação com a Covid. Antes de desejar a sua morte, é bem mais natural e, por que não dizer, ético, desejar que ele mude a sua visão apenas pelo fato de ter contraído a doença e de ter, com isso, percebido os riscos dela, ou então desejar que as mortes já ocorridas de pessoas que ele conhece possam mudar seu pensamento. Enfim, enquanto houver esperança de que ele mude o seu pensamento e possa – vivo – influenciar positivamente outras pessoas, não se pode ver razão no pensamento que deseja a sua morte, por mais que uma visão consequencialista ou utilitarista se esforce para justificar o contrário.



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