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10/07/2020 às 11h03min - Atualizada em 10/07/2020 às 11h03min

Boas viagens

WILLIAM H. STUTZ
Acordei hoje com vontade louca de viajar. Já tinha virado costume. Não, não me refiro a viagens de atravessar o Atlântico e tais, pois estas estavam programadas para outro momento. A última, malas prontas, passagens marcadas, resolvemos saborear um vinho em Valparaiso e deitar os olhos nas paisagens das quais Neruda tanto desfrutou de suas janelas, em sua morada Casa La Sebastiana, hoje museu. Também imaginávamos degustando um delicioso caranguejo ou um Chupe de Mariscos no Mercado Puerto, sentindo a brisa do Pacífico, nem tão manso assim por essas bandas.

Claro que Santiago estava programada, assim como o deserto de Atacama ao norte e a Patagônia Chilena ao sul. Se dinheiro desse, uma expedição à ilha de Páscoa estava no cardápio.

A primeira ideia de destino era a Colômbia, mais precisamente Cartagena das Índias, com seu cálido mar caribenho. O roteiro bem estudado incluia as ilhas de Rosário, o Castelo San Felipe e Las Bóvedas, que também queríamos conhecer.

Tanta coisa, que fica até difícil descrever. O que é que aconteceu? Tivemos que (des)escrever todos os sonhos. Motivo? Dengue. Isso mesmo, a tal dengue que as autoridades insistem em divulgar que os casos estão noventa e cinco porcento menores do que o ano anterior. Ah, como amo estatística! Instrumento perfeito, tanto para reforçar verdade, quanto para criar sensações de falsa segurança nos incautos, não afirmo que seja o caso aqui, mas cara, sei que estamos na seca, mas mostrem-nos um dado comparativo sem pensar em ano político, mas com foco na nossa gente. Ano passado mesmo em julho/agosto qualquer febrezinha (já ouvi alguém dizer isso), e o diagnóstico era… dengue, Agora, tossiu, espirrou ouviu dizer… Covid 19.

Nada melhor para maquiar uma adversidade do que uma maior e mais aterradora. Mas esse assunto não me importa mais e me esforço e quero acreditar que seja verdade. Do julgamento de nossas ações e palavras ninguém escapa e não estou me referindo à mística religiosa da eterna luta entre bem e o mal. Anjos e Demônios se digladiando. Em saúde coletiva não tem como enrolar por muito tempo.   As contas são ajustadas aqui mesmo meu rei, aqui mesmo.

Enfim, caí uma semana antes da tão esperada partida. Dá para imaginar a frustração.

Apesar de detestar fazer malas, desfazê-las no mesmo lugar é pior ainda.

Sem problemas, outras datas virão, pensamos. Tome sonhar planos, lugares, desejos. Uma cerveja gelada à beira-mar em qualquer lugar do Caribe, ou mesmo em algum canto sossegado de uma praia deserta de gente aqui no Nordeste. Certo, podemos mergulhar com os peixes em Bonito, visitar e descobrir as belezas da Serra da Bodoquena, suas trilhas, cachoeiras e grutas.

Aí... O mundo parou, os sonhos novamente adiados, mas desta vez para não se sabe quando. Instala-se a pandemia de um novo Coronavírus. Juro, não queria tocar mais nesse assunto, mas tem como fugir? Resolvemos não programar mais viagens. Mas, mesmo assim, continuamos viajando todo dia. Bons filmes (vimos tantos que os bons começam a ficar escassos). Viajar em leitura, valendo revisitar paragens maravilhosas. Cortei o Urucuia com Diadorim, sofri com Riobaldo:

(...) Aquela Mulher não era má, de todo. Pelas lágrimas fortes que esquentavam meu rosto e salgavam minha boca, mas que já frias já rolavam. Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais levados de verdes... Buriti, do ouro da flor... E subiram as escadas com ele, em cima de mesa foi posto. Diadorim, Diadorim – será que amereci só por metade? Com meus molhados olhos não olhei bem – como que garças voavam... E que fossem campear velas ou tocha de cera, e acender altas fogueiras de boa lenha, em volta do escuro do arraial... (João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1968. p. 453-454.).

Chorei com Sorôco, morte e dor. Rosa nos faz viajar, viajar.

Mais decolar: retornei à Aragão e a Catalunha, ciceroneado pela ingenuidade de Dom Quixote de la Mancha e seu fiel escudeiro Sancho Pança. Cervantes nos permite sempre cavalgar o velho e sofrido Rocinante que, dependendo do dia e como estou “viajando”, se não tem turbulência e o céu é de Brigadeiro, se não há mar agitado, na minha cabeça se torna o belo Pégaso, filho do amor impossível de Poseidon e Medusa.

De Rosa a Garcia Márquez, ainda lhe vejo Cartagena. De Cervantes ao símbolo da Santhatela, rica mitologia grega. Podemos sim viajar “por mares nunca dantes navegados.” Perdoe-me Camões, mas também revistei seus poemas, sua Coimbra. “Que me quereis, perpétuas saudades?/

Com que esperança ainda me enganais?/ Que o tempo que se vai não torna mais/ E, se torna, não tornam as idades.”

Melhores dias virão, mas enquanto isso tenho uma estante repleta de belas viagens com vantagens extras. Na~p carece check in, execesso de bagagem só depois da jornada sempre voltamos mais ricos. Especial amigo e grande Juiz togado Dr. Queiroz, que dispensa e ralha conosco pelo “Dr.”, definiu em uma frase estes tempos turbulentos: “Barriga cheia goiaba tem bicho, barriga vazia vai com bicho e tudo.”

# vaipassar #sepuderfiqueemcasa #sempremascara e claro, viaje muito, certeza que em sua casa tem passagens para lugares mágicos esquecidos, empoeirados em algum canto.



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