Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
08/05/2017 às 08h35min - Atualizada em 08/05/2017 às 08h35min

Um outro mal do século

Eu não o conheci pessoalmente, mas já tinha tido notícias dele, pois era parente de pessoa da minha convivência. Era a crônica de uma morte anunciada: jovem, usuário de drogas, com passagens policiais por delitos provavelmente ligados à dependência química. Deu trabalho para os parentes, passou pela cadeia, saiu e continuou na mesma vida. Na semana passada, foi morto a pauladas na frente da sua mãe. O motivo? Não posso afirmar, mas estimo ter sido algum acerto de contas.

Há quem diga que a morte foi um alívio para a sociedade. Eu não penso assim. Primeiro, porque não comemoro o falecimento de ninguém, ainda mais quando é fruto de um homicídio. Segundo, porque a falsa ilusão de que a morte de pessoas envolvidas com delitos traz benefícios para a sociedade não passa disso mesmo, uma falsa ilusão. Por ano, na cidade de Uberlândia, mais de uma centena de pessoas perde a vida em assassinatos, estimando alguns órgãos de segurança que cerca de 70% morra em decorrência de ligações com a criminalidade, nos famosos acertos de contas ou queimas de arquivo. Entra ano e sai ano, as mortes se multiplicam e os índices de violência só aumentam.

Alguém poderia dizer que, se não fossem as mortes, estaríamos bem pior. Não é assim. Estamos em uma situação como a de um canteiro cheio de ervas daninhas, no qual as plantas malignas vão se amontoando, mas às vezes uma precisa matar a outra para encontrar seu espaço. A erva daninha que morre não deixa o chão livre para uma flor nascer em seu lugar. Ela simplesmente abre espaço para outra praga, quase sempre de uma espécie ainda pior. Enquanto você não tratar a causa do problema, ele só vai piorar, pois essa briga por espaço traz como resultado uma seleção natural dos bandidos, que ficam cada vez mais violentos. É preciso, pois, olhar para esse canteiro e procurar uma solução que arranque o mal pela raiz.

A pena de morte estatal não seria uma solução, já adianto. Escrevi mais de uma vez que a quantidade de bandidos mortos em confrontos com as polícias brasileiras é maior do que a soma de todas as execuções de penas de morte no resto do mundo. Mais do que isso, entrar na criminalidade no Brasil é aumentar exponencialmente a probabilidade de se perder a vida de modo violento - o número de assassinatos em acertos de contas entre bandidos é absurdo, como eu já disse no começo. Ora, se virar bandido é meio caminho andado para morrer em confronto com a polícia ou em brigas dentro do mundo do crime, não seria uma burocrática pena de morte estatal que inibiria nossos criminosos.

Mas, o que fazer então? Bom, quase todos os crimes estão ligados ao tráfico de drogas. Repense a política de atuação nessa área e se acenderá uma luz no fim do túnel. Primeiro, é preciso fazer uma análise muito cuidadosa acerca do que deve ser considerado droga ilegal ou não. Sim, falo da maconha. Ainda não cheguei ao ponto de defender a sua legalização, mas tenho refletido muito sobre a (in)efetividade de uma política repressiva em relação a ela. O sujeito que compra uma bebida alcoólica ou um cigarro, ambos com potencial de prejuízo para a saúde, não entra em contato com bandido para a aquisição. Já quem compra maconha tem que manter contato com o mundo do crime, especialmente com quem vende drogas bem pesadas. Além disso, as cadeias não têm espaço para mais bandidos porque, em grande parte, estão ocupadas por pessoas que foram condenadas por tráfico de maconha. E quanto tempo de trabalho de policiais, promotores e juízes não é gasto nessa repressão? Tudo isso, como eu disse, tem feito com que eu reflita se vale a pena continuar reprimindo a maconha. Ainda não posso dizer que sou favorável à liberação, ressalto, mas tenho pensado no assunto.

Outro ponto é o tratamento dos usuários de drogas. Hoje, quase tudo que existe nesse sentido é feito por organizações da sociedade civil, muitas ligadas a igrejas. Porém, essas organizações não dão conta do recado sozinhas. A participação governamental é ínfima perto do que poderia ser feito. A recuperação de um usuário de drogas é bem mais barata para o Estado do que a condenação de um traficante.

Sei que o tema é bem mais complexo, mas podemos começar por esses dois pontos. Repensar a política de repressão às drogas e repensar o tratamento dos dependentes químicos é essencial para que não tenhamos tantos homicídios. Nenhuma mãe merece ver o filho ser morto a pauladas na sua frente, por mais que, um dia, ele tenha tomado um rumo que não foi o desejado por ela.

Alexandre Henry Alves - Juiz Federal e Escritor

www.dedodeprosa.com

Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90