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13/06/2020 às 09h13min - Atualizada em 13/06/2020 às 09h13min

O mundo continua chato

ALEXANDRE HENRY
Compartilho aqui um texto que escrevi há algum tempo. Volto depois com os comentários. “O mundo está chato, muito chato. Começo a sentir saudade da realidade que me cercava há pouco mais de duas décadas, o que não é algo muito usual para mim, cujo olhar sempre foi voltado para o amanhã. Minha saudade não é tanto da segurança que a gente tinha nas ruas, a vida desplugada, os papos na esquina, a energia natural da juventude. Minha saudade é de um mundo menos chato.

Sou o filho do meio e aprendi a olhar para os dois lados em quase tudo o que me chega aos sentidos. Talvez por isso a profissão de juiz me caia tão naturalmente e me seja tão agradável. Gosto do bom senso, do meio termo, da ponderação. A natureza não é assim, busca sempre o equilíbrio? Os extremos excluem, limitam a diversidade, tendem ao expurgo de tudo aquilo que se distancia da estrada única que é a marca de qualquer extremo. Por isso, gosto do meio, pois nele a gente consegue enxergar os dois lados e saborear um pouco de cada nuance do que nos cerca.

Mas, o mundo agora está chato, muito chato. A cada dia que passa, tenho a sensação de que os dias atuais são marcados por uma cruzada que rejeita quem não pensa igual e, pior do que isso, rejeita quem não aceita formar fileiras nos extremos. Há que se levantar uma bandeira e cantar um hino. Há que se armar contra o inimigo. Há que se proferir a abjeta frase ‘quem não está conosco, está contra nós’. Ponderar significa afrontar o que supostamente é certo e inquestionável, como se mergulhássemos novamente em uma Idade Média feita de dogmas enclausurantes. Ter uma opinião que não abriga algum dos lados é não ter opinião, é viver em cima de um muro, como se o muro não fosse um bom lugar para enxergar os dois quintais que se confrontam. E adotar, ainda que eventualmente, uma posição que não seja a defendida ardorosamente pelo interlocutor, é uma confissão irrevogável de que você passou para o outro lado, mesmo que há cinco minutos você tenha concordado com outra ideia desse mesmo interlocutor. Tristes tempos de impaciência, de adjetivação antes de qualquer diálogo, de ouvidos surdos e mentes que só interpretam da forma como lhes é mais conveniente.

O bom senso está moribundo, abatido quase de morte pelas hordas de radicais que apareceram como ervas daninhas, após cada um ganhar seu próprio palanque nas redes sociais. Os ponderados vão à forca, os adjetivos antecedem os substantivos e a reflexão é perda de tempo: urgente é agir para combater o pensamento divergente. Sofro com isso, como sofro. A perspectiva de diálogo até com quem antes me era tão próximo se esvai e essa realidade me atemoriza. Assustado, vou me recolhendo aos poucos, na certeza de que o mundo realmente está chato, extremamente chato”.

Escrevi esse texto há quatro anos, em junho de 2016. Qual era o panorama político naquela época? Dois meses antes, a Câmara dos Deputados havia aprovado o prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma Rousseff, que havia sido afastada do cargo até que o Senado Federal fizesse o julgamento final (que ocorreu no dia 31/08/2016). A sociedade já vinha se dividindo aos poucos, com agravamento da situação a partir de 2013. De um lado, os “coxinhas”. De outro, os “mortadelas”. Polarização acentuadíssima, tornando quase impossível a vida de quem não aderisse incondicionalmente a um dos dois lados.

E agora? Agora, infelizmente, estamos em uma situação pior do que aquela. Eu cheguei a ter esperanças de que essa polarização fosse diminuir, mas ela só se acentuou. A ascensão da direita ao poder e a guerra verborrágica travada nas redes sociais acabaram por reforçar a polarização, especialmente porque algumas personalidades, em ambos os espectros políticos, tomaram gosto por essa situação de conflito permanente ao perceberem que sobrevivem com muito mais facilidade em um mundo em guerra do que em tempos de paz.

E os moderados como eu, que veem coisas boas e coisas ruins de ambos os lados, sem cerrar fileira com nenhum deles? Estamos ainda mais emparedados, ainda mais achincalhados como se fôssemos alienados de outro planeta. Enquanto isso, o mundo ruma a mais polarização, especialmente no caso brasileiro, como se não houvesse nenhuma alternativa ao radicalismo. Aonde isso vai chegar? Sinceramente, não sei, da mesma forma como não faço ideia de quando o bom senso poderá voltar a ter um lugar de destaque na vida e na sociedade brasileira em geral.



Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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