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23/05/2020 às 10h07min - Atualizada em 23/05/2020 às 10h07min

Educação cívica

ALEXANDRE HENRY
Recebi no celular um vídeo de uma “live” da cantora Anitta com a advogada e comentarista política Gabriela Prioli. O vídeo, que veio acompanhado da frase “Este é o nosso Brasil”, foi editado de uma forma a demonstrar, em pouco mais de um minuto, todo o desconhecimento da cantora sobre política e administração pública.

Vi aquilo e não senti um impulso imediato de criticar a Anitta. Ela, como li em mais de um lugar, ao menos reconhece a sua ignorância no assunto e está tentando aprender um pouco mais sobre política, o que é extremamente importante. O que ela vai fazer com esse aprendizado ou por que está buscando saber mais sobre o assunto, isso é algo que se torna pouco relevante diante do exemplo em si. Que exemplo? O da busca por conhecimento sobre temas que são ignorados e, mais do que isso, desprezados por milhões de brasileiros, desprezo esse que explica um pouco da pobreza política que vivemos há décadas.

O principal problema, em minha opinião, é não termos no currículo da Educação Básica praticamente nada sobre organização político-administrativa, cidadania e direitos e garantias fundamentais. O problema é tão sério que, em toda eleição de vereador, a gente vê dezenas de candidatos com programas de campanha que nada dizem respeito ao papel de um vereador. Aliás, isso acontece com deputados estaduais e até com candidatos a deputados federais, ou seja, nem o sujeito que se dispõe a tentar um cargo que pressupõe bom conhecimento sobre esses temas sabe o que irá fazer se for eleito.

Se você tem mais de quarenta anos, provavelmente vai se lembrar das aulas de “Educação Moral e Cívica” e pensar que elas seriam a solução e que foi um grande erro tirar esse conteúdo do currículo obrigatório. Você está certo, mas apenas em parte. Essa disciplina foi colocada na grade curricular por meio do Decreto-Lei nº 869, de 12 de setembro de 1969, nove meses depois do famoso AI-5, o famigerado Ato Institucional que sacramentou a ditadura militar no Brasil. Em resumo, as aulas de “Educação Moral e Cívica” foram crias do período mais duro da ditadura e ficaram, por isso, intimamente vinculadas àquele regime político.

O Decreto-Lei estabelecia as finalidades do ensino da disciplina: a) a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus; b) a preservação, o fortalecimento e a projeção dos valores espirituais e éticos da nacionalidade; c) o fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de solidariedade humana; d) a culto à Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história; e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à comunidade e à família, buscando-se o fortalecimento desta como núcleo natural e fundamental da sociedade, a preparação para o casamento e a preservação do vínculo que o constitui; f) a compreensão dos direitos e deveres dos brasileiros e o conhecimento da organização sócio-político-econômica do País; g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum; h) o culto da obediência à Lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade.

Muita coisa aí é bacana, embora eu torça um pouco o nariz para alguns pontos, como a questão religiosa, a do casamento e os cultos previstos no item “d”, entre outros. O problema, como eu disse, é que essas finalidades foram pensadas em um contexto de regime autoritário e buscavam mais o enquadramento dos estudantes do que a formação do cidadão. Por isso, não vejo a volta ao passado como uma solução.

Claro, como não sou radical de esquerda e nem radical de direita, há coisa boa a se retirar desses anos de “Educação Moral e Cívica”. Teríamos menos pessoas com deficiência de formação (como a humildemente reconhecida por Anitta) se fosse incluído no currículo da Educação Básica um conteúdo relativo à organização do Estado brasileiro, ao menos para se entender como é repartido o poder, qual é a atribuição de cada esfera dele e o que é da competência de cada autoridade. Também poderia ser ensinada a parte da Constituição relativa aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos coletivos, bem como os instrumentos de exercício direto e indireto da cidadania. Coisa simples, mas que, acredite em mim, poderia ajudar muito no desenvolvimento do país.



Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


 
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