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01/03/2020 às 08h00min - Atualizada em 01/03/2020 às 08h00min

O lado bom e o lado ruim

ALEXANDRE HENRY

A África vive uma tragédia de grandes proporções com os enxames de gafanhotos, uma praga que está dizimando lavouras inteiras em alguns países do continente. O interessante nessa tragédia é que, com o desenvolvimento da agricultura, praticamente esquecemos o quanto somos vulneráveis na questão alimentar. Por mais que a tecnologia evolua, quase toda a produção agrícola mundial ainda depende das chuvas, das variações térmicas e da ausência de novas pragas, que podem ser desde uma vassoura de bruxa, que quase acabou com o cacau do sul da Bahia, ou a atual nuvem de gafanhotos que aterroriza os africanos. Isso sem falar que a agricultura já consome 70% da água potável mundial e que pesticidas estão por trás de muitos dos novos males à saúde.

Mas, e se a humanidade pudesse produzir muita comida sem depender de chuvas, de forma livre de pragas e utilizando pouco fertilizante? E se a humanidade pudesse produzir alimento o ano inteiro, seja em uma região desértica ou durante invernos congelantes?

Há poucos dias, assisti a uma palestra de um “fazendeiro urbano” chamado Stuart Oda, que discorreu sobre a denominada agricultura de ambiente controlado. Ele narrou que, em 2050, teremos que produzir comida para 9,8 bilhões de seres humanos, o que demandará um incremento gigantesco na produção. Porém, as novas áreas para agricultura estão se acabando, a água é um recurso absurdamente finito e questões ambientais impõem a necessidade de não se sair derrubando o pouco que resta no planeta de vegetação nativa.

É aí que entra a tal da agricultura de ambiente controlado. Pense em um galpão abandonado de uma antiga indústria. Monte prateleiras e mais prateleiras e crie nelas recursos para que plantas possam se desenvolver, como aqueles já aplicados no sistema de hidroponia. Você pode controlar a temperatura do local de forma artificial, fazendo com que, como eu disse, seja possível produzir durante o ano todo, mesmo que lá fora esteja caindo nevasca atrás de nevasca. Quanto à água utilizada, como se trata de um ambiente fechado, há uma economia de mais de 90%. Também por ser um ambiente controlado e fechado, pragas não entram. Se uma nova praga atinge um local de produção desses, dificilmente ela vai conseguir migrar para outro, pois os agentes de migração de doenças, como pássaros e insetos, não estarão presentes. Resultado? Uma produção livre de pesticidas, como sonham os adeptos da produção orgânica de alimentos. Fertilizantes também são utilizados em quantidades muito menores, pois não se perdem com chuvas, não são levados para os rios pela enxurrada e nem penetram em camadas mais profundas do solo. O alimento é produzido de uma forma altamente eficiente, rastreável, ocupando espaços urbanos abandonados e trazendo muito mais economia com transporte, pois é possível produzir junto do mercado consumidor.

Há problemas, sim. Esse tipo de produção ainda é comercialmente pouco viável para a maioria dos vegetais. O custo com energia é um dos agravantes. Porém, o desenvolvimento de novos sistemas de LED, o uso de laser e de fibra ótica para promover a fotossíntese tem sido impressionante, até porque há muitos países interessados nessa tecnologia. Se você vive em um local muito habitado, como a China ou o Japão, ou em que o deserto domina, como na maioria dos países do Oriente Médio, você depende de outros países para alimentar seu povo. Quem não vai querer produzir no próprio quintal? É por isso que eu acredito que, em menos de um século, parte considerável da produção de alimentos do mundo vai ser feita por meio da agricultura em ambiente controlado. Assim como as fontes de energia renovável poderão tornar China e Japão independentes em relação ao petróleo, a nova agricultura poderá deixá-los independentes em relação à produção de alimentos.

Tudo isso é muito bom, não é? Então, cadê o lado ruim que mencionei lá no título? O lado ruim está com os países cujas economias dependem fortemente da exportação de alimentos, como o Brasil e a Argentina. Hoje, pode parecer pueril a ideia da China não mais precisar da soja brasileira. Mas, e daqui a duzentos anos? Muito provavelmente, isso acontecerá. Países que hoje mandam no preço de commodities agrícolas perderão destaque na economia mundial, a menos que invistam em novas tecnologias e diversifiquem suas economias, o que demanda um investimento maciço na sempre desprezada educação em nosso país. Será que estaremos preparados quando nosso “petróleo” verde se tornar desimportante para o resto do mundo?

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.














 

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