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12/02/2020 às 08h00min - Atualizada em 12/02/2020 às 08h00min

É preciso ser louco

FERNANDO CUNHA

Durante a corrida espacial contra a União Soviética, na década de 1960, o então presidente dos Estados Unidos da América, John F. Kennedy (1917-1963), precisava convencer a nação estadunidense de que o país necessitava investir bilhões de dólares naquele projeto, mesmo sem saber ao certo como executá-lo. Ele tinha apenas uma visão do que seria o homem pisar à lua e o seu primeiro objetivo era tornar aquela ideia em algo tangível para as outras pessoas, pois, sem o apoio delas, não conseguiria realizar esse feito. Imagine, gastar uma grande fortuna para conquistar o espaço com tantos problemas para resolver aqui na Terra. Coisa de maluco! Mas ele foi ousado e, em seu discurso de 12 de setembro de 1962, conseguiu transformar aquele vislumbre pessoal no sonho da maioria dos americanos.

“Nós escolhemos ir à lua” é a frase mais marcante de sua mensagem, mas o que veio em seguida foi surpreendente e incontestável. Ele disse: “nenhuma nação que espera ser líder de outras nações pode esperar ficar para trás na corrida espacial, pois os olhos do mundo agora olham para o espaço, para a Lua e os planetas além, e juramos que não o veremos governado por uma bandeira hostil de conquista, mas por uma bandeira de liberdade e paz”. Observe como JFK sabia vender uma oportunidade e transformar, de repente, algo até então inimaginável em uma necessidade latente. E continuou: “Mas se eu disser, meus concidadãos, que enviaremos à lua um foguete gigante com mais de 300 pés de altura, o comprimento de um campo de futebol, feito de novas ligas de metal, algumas das quais ainda não foram inventadas”.

A capacidade de ver o invisível é que transformou Kennedy, Steve Jobs, Walt Disney e tantos outros em seres extraordinários. É esse poder que torna pessoas aparentemente simples em grandes líderes. Mas, só ver o invisível não basta. É preciso materializá-lo por meio das palavras. Imagine a reação dos engenheiros da Apple ao ouvir Jobs atuando, segundo eles, no seu “campo de distorção da realidade”. Conta-se que um engenheiro entrava na sala para explicar por que algo não podia ser feito e, em questão de minutos, saia de lá comprometido em fazer aquilo na metade do tempo. Basta assistir alguns vídeos das apresentações de Steve Jobs que logo distinguimos a forma como ele aguçava a imaginação das pessoas. “Mil músicas no seu bolso”, era o slogan do iPod, por exemplo.

Quando visitaram o pântano onde construíram a Disney, Roy, irmão de Walt, não acreditava que naquele lugar seria possível erguer algo. Ao interpelar o irmão, já com as pernas atoladas na lama até os joelhos, Walt disse: “só um minuto, estou vendo onde vamos construir o castelo da Cinderela”. E lá, bem no meio daquele brejo em Bay Lake, o Magic Kingdom foi construído e recebe atualmente cerca de 60 milhões de turistas todo ano. O segredo então, não só de Kennedy, Steve Jobs e Walt Disney, mas de todos aqueles que pretendem convencer os outros a acreditarem naquilo que ainda não podem ver, é aguçar a imaginação deles. Para isso, é preciso usar a linguagem verbal para descrever objetos reais que dão forma a situações imaginárias.

No livro “O Universo em suas mãos” (Ed. Casa da Palavra), Christophe Galfard, um dos físicos mais brilhantes e bem-humorados da atualidade, usa deste artifício para tentar explicar o funcionamento do Universo. Ele deixa de lado a complexidade dos gráficos e fórmulas e transforma o leitor numa espécie de viajante espacial, cruzando galáxias, contemplando estrelas e planetas e assistindo ao funcionamento de cada canto obscuro do universo. Num trecho do livro ele ilustra o mundo quântico da seguinte maneira: “você é como um juiz, observando dois elétrons interagirem, da mesma forma que talvez assistisse a uma partida de tênis, com os elétrons sendo os jogadores e as bolas sendo os fótons virtuais que dançam entre eles”. Fazer as pessoas acreditarem em algo que está fora da realidade não é coisa de gente “normal”. É preciso parecer louco!

E é isso que os bons oradores, vendedores e políticos fazem. Quando o objetivo é alcançável, mas ainda incompreensível pelos demais, eles usam metáforas e histórias para aguçar a imaginação ao ponto de materializá-lo na mente das pessoas, tornando-o real e mentalmente palpável. E você, já pensou em atribuir aos seus produtos e serviços alguns valores intangíveis? Já mostrou ao seu cliente os benefícios imateriais que ele terá ao adquiri-los e contratá-los? Ser o melhor e mais completo já não é o suficiente.   

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.











   
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