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17/01/2020 às 10h01min - Atualizada em 17/01/2020 às 10h01min

Bendito limão

CELSO MACHADO

Esta semana aconteceu um fato que me sensibilizou. Estava saindo da produtora para um compromisso com horário marcado quando deparei com uma senhora usando uma bengala no lado direito e com a perna esquerda enfaixada que estava tendo a maior dificuldade em atravessar a rua.

Diante da cena fiquei parado, refletindo entre alterar meu roteiro sendo solidário correndo o risco de atrasar, ou seguir meu caminho. A dúvida não durou quase nada. Parei o carro ao seu lado e perguntei qual seu destino e se poderia levá-la até ele.

Ela respondeu que era perto e que não precisava. Insisti que estava percebendo sua dificuldade e por mais próximo que fosse, seu esforço era enorme. Com um sorriso de alivio, ela agradeceu e entrou no carro.

Realmente ela ia bem perto, algo em torno de dois quarteirões, mas o suficiente para uma conversa fascinante. Contou que, mesmo idosa ainda trabalhava como acompanhante, por necessidade de complementar sua renda.

Com aquela voz mansa e resignada me falou que tinha artrose. O que a fazia sentir dores diariamente. Em alguns dias, a dor era mais intensa ainda. E aquele era um deles. Nem a injeção que a obrigava a usar faixa na perna a diminuía. Resignada disse que ia ver com a médica se tinha alguma coisa a ser feita para reduzir o sofrimento.

Para minha frustração chegamos a casa onde trabalhava. Perguntou-me o nome, me contou o seu e fechou a porta com uma expressão meiga. Que presente me deu com aquele sorriso tão simpático por um gesto banal; que lição me passou pela aceitação do sofrimento e pela determinação em seguir em frente sem lamentação.

Na hora me veio a lembrança uma sábia frase de uma pessoa que é referência na minha vida com a qual concordo plenamente: que a gente aprende pelo amor ou pela dor. Só que nesse caso aprendi, e muito pela dor, não minha, mas do outro. Fiquei refletindo quantas vezes a gente reclama por coisas e aborrecimentos pequenos. Sendo que para outros nem é a dor que incomoda, mas sim quando ela se torna maior do que a constante.

Fiquei pensando quantas pessoas podemos ajudar de forma absolutamente singela. Quantas sábias conversas deixamos de escutar por pressa ou desatenção. Esqueci de contar que tinha um limão, um único no carro que ofereci com respeito e que ela recebeu como demonstração de afeto.

Engraçado como as coisas acontecem na minha vida, fui auxiliar uma pessoa e aconteceu o contrário: eu quem recebi ajuda. Pela lição de vida, pelo exemplo de luta de uma velha senhora com dificuldade de locomoção. Guardei seu nome e espero revê-la muitas vezes, torcendo para que na próxima tenha no carro não um limão, mas pelo menos umas duas dúzias de laranja. De preferência bem saudáveis e docinhas, como sua agradável companhia.               

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.








 

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