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01/12/2019 às 08h30min - Atualizada em 01/12/2019 às 08h30min

Descartes

WILLIAM H STUTZ

Não meus amigos e amigas, não me refiro ao “fundador da filosofia moderna e da matemática moderna", René Descartes. Não me atreveria. Confesso que adorei sua obra “Discurso do Método” e a recomendo. Vamos a minha tentativa de descartes.

Já tentou descartar uma lâmpada fluorescente, uma pilha, uma bateria de celular ou seja lá que resíduo eletrônico for? Claro que já. Quem em pleno século XXI não teve algum dia que fazer isso? Bom, aí meu amigo, minha amiga, começa o seu e o meu calvário. Onde descartar corretamente? A primeira ideia que lhe vem à cabeça, caso pense com o mínimo de consciência é: vou a um ecoponto da Prefeitura. Correto? Não! Errado! Perda de tempo. Chego lá e sou comunicado de que não podem mais receber esse tipo de material, pois a lei proíbe.

Beleza, vamos à lei estadual:
 
Altera a Lei nº 13.766, de 30 de novembro de 2000, que dispõe sobre a política estadual de apoio e incentivo à coleta seletiva de lixo, e dá outras providências. [1]
(Publicação - Diário do Executivo - "Minas Gerais" - 16/01/2003)
 
Nota do autor, ou seja, eu: Atenção gente o ano da lei original é de 2000. Virada de século, ano do bug do milênio, ano em que Barrichello ganhou sua primeira corrida (juro não é gozação) e nosso tênis, com Guga, reinava no ranking mundial.
 
“O Povo do Estado de Minas Gerais, por seus representantes, decretou e eu, em seu nome, sanciono a seguinte Lei:
 
Art. 1º - O artigo 4º da Lei nº 13.766, de 30 de novembro de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:
 
“Art. 4º - Compete ao Conselho Estadual de Política Ambiental - COPAM - estabelecer normas para recolhimento, reutilização, reciclagem, tratamento ou dispositivo final ambientalmente adequada de resíduo sólido que, por sua composição físico-química (…) blá, blá, blá…
 
§ 1º - Incluem-se entre os resíduos sólidos a que se refere o “caput” deste artigo disquete de computador, lâmpada fluorescente, pilha e bateria. (…)”
 
Que maravilha, problema resolvido. Você que acha. Ligo no Serviço de Informação Municipal, que mata no peito, põe no terreno e em longo lançamento faz um passe magistral para o Serviço Municipal de Limpeza Urbana. Aí um consulta o outro, a troca de passes bem perto da área, mas não finaliza. Recebo outro toque no meio de campo e me passam para a Supram.

Descolo o telefone de lá. Ouço a mensagem “Terminal interrompido temporariamente”, depois de várias tentativas. Lá vou para o Ligue Minas, cujo número é 155. Começa a ladainha de sempre. Para isso disque um, para aquilo disque dois e assim foi até chegar ao sete, referente ao meio ambiente. Para continuar o atendimento sou obrigado a digitar meu CPF. Sou bem mandado, faço. A primeira opção “ambiental” – e algo assim: Para denúncia anônima disque sei lá que número! Pô, anônima?! Os caras já têm meu CPF! O que mais querem? Meu tipo sanguíneo, saber o time que torço? O que mais? Finalizando, procurei vários estabelecimentos que comercializam estes produtos e que, teoricamente ou legalmente, deveriam receber o descarte. Explicaram-me que não era bem assim e que eles também não tinham como dar destino a tanta sobra tecnológica. Por um instante e já cansado de tentar resolver o problema do planeta terra no que se refere a resíduos tóxicos, quase joguei no lixo comum pensando que seriam separados na esteira. Foi quando descobri mais uma. Nosso aterro não tem mais esteira para separação do lixo que ali chega.

Cheguei à triste conclusão de que lei ambiental e estatuto de partido político têm muito em comum. Leia o programa de qualquer partido político no Brasil, seja de direita, esquerda, de centro, de cima ou debaixo. São lindos e maravilhosos. Se seguidos viveríamos ou iríamos ao éden. Mas o que vemos é que “na teoria a prática é outra” ou seria o contrário? Vai saber.

A tristeza vem ao imaginar que, por simples falta de opção ou por tanto dificultar a vida do cidadão, o desfazer de coisas nocivas é feito de qualquer jeito. Joga no lixo mesmo e pronto. Nem todos têm paciência e tempo para levar seu lixo tóxico para passear, buscando solução que deveria ser providenciada por quem pagamos, e muito, para tal: o serviço público.

Assim como temos que repensar soluções plausíveis que facilitem de verdade o exercer da nossa cidadania, devemos prestar mais atenção em estatutos de partidos que almejam poder. Desta forma, poderíamos cobrar com força de lei a obrigação de cada um. Não apenas votar porque o candidato é bonitinho, mente que nem sente, tem oratória fácil, te chamou um dia pelo nome (soprado por algum assessor) ou lhe deu um tapinha nas costas.

Se assim for, vamos carregar por quatro anos, ou mais, figuras tão tóxicas e tão nocivas quanto as pilhas, lâmpadas e baterias que carrego como castigo para baixo e para cima. Pensem bem. Depois não temos como nos livrar facilmente desse entulho humano. Seu voto vale ouro.

Enquanto isso, já sem raiva ou agonia, sigo levando minhas pilhas, lâmpadas e baterias para passear por mais tempo, sem saber o que fazer com elas. Vou acabar me afeiçoando e se algum dia me desfizer delas posso até sentir saudades ou escrever uma crônica, sem discurso, sem método.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.










 

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