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10/11/2019 às 08h30min - Atualizada em 10/11/2019 às 08h30min

Direito do Consumidor

ALEXANDRE HENRY

Aconteceu há quase vinte anos. Era um sábado quente, aniversário da minha esposa, motivo pelo qual decidimos almoçar no Flerte, um restaurante localizado em um shopping de Uberlândia. Quando eu me servi, creio que já passava das duas da tarde. Olhei para aquele peixe assado bonitão no balcão de “self service” e não tive dúvidas: coloquei um tantão no meu prato. No final da tarde, eu estava um pouco estranho, com a barriga barulhenta. De noite, voltamos ao shopping para um jantar de comemoração em outro restaurante e, logo depois de me sentar, senti que precisava ir ao banheiro. Você já deve imaginar o que aconteceu. Perdi toda a festa da minha esposa sofrendo em um desagradável banheiro público.

Fiquei com muita raiva. Quando descobri que minha sogra, que almoçara conosco, tinha sido a única além de mim a comer o peixe e a única a também passar mal, decidi processar o restaurante. Foi minha primeira ação baseada no Direito do Consumidor. No dia da audiência, fiquei com muita raiva do juiz, pois parecia que eu era um impostor querendo dar o golpe na empresa. Hoje, olhando para trás, vejo que o juiz agiu certo. Eu não tinha qualquer prova clara de que realmente fora o peixe do restaurante o vilão daquele dia. Aprendi aí uma lição que é corrente no meio jurídico: não basta ter direito, tem que ter prova.

Desde então, já entrei com outras ações e, principalmente, já julguei inúmeros casos relacionados à área do consumidor, agora no papel de juiz. Experiente pelo fracasso contra o restaurante, consegui, certa vez, sair vitorioso de uma ação contra uma companhia aérea porque, na hora em que ocorreu o problema, não perdi a calma e cuidei de registrar tudo o que pudesse constituir prova em meu favor. Essa, aliás, é uma falha recorrente que vejo nas ações que julgo: na maioria dos casos, acaba sendo a palavra do consumidor contra a da empresa. A pessoa não anota um número de protocolo de reclamação, não guarda nenhum tipo de registro do problema, enfim, não tem nada para mostrar para o juiz (que não estava lá na hora dos fatos) que a razão está com ela. Existe a lenda de que, na área do consumidor, sempre há a tal inversão do ônus da prova, mas não é bem assim. Não é em qualquer caso que se chega lá, conta uma história e o juiz obriga a empresa a provar que aquilo não aconteceu ou que aconteceu de outro jeito. Por isso, cuidar para juntar tudo quanto é forma de comprovação do problema é essencial.

Nessa área do consumidor, aprendi também que há muito exagero. Parece que tudo vira dano moral, como se a vida não tivesse lá seus aborrecimentos. Uma coisa é passar vergonha na frente dos amigos e perder o aniversário da então namorada por conta de um peixe estragado; outra coisa é receber uma cobrança de uma conta que realmente estava atrasada, mas que fora paga no dia anterior, e achar que isso, por si só, sem nenhuma negativação do nome da pessoa em cadastros de inadimplentes, é capaz de gerar dano moral. Não é qualquer erro de uma empresa que é capaz de gerar um abalo indenizável. Existem casos em que a solução é simplesmente não fazer mais negócio com aquela empresa e ponto final.

Como último conselho, recomendo que se tente resolver problemas na área de consumo sem recorrer ao Poder Judiciário. Não falo isso apenas porque quero ter menos processos, mas porque realmente acredito que a sentença de um juiz sempre deve ser a última solução. Já pensei diferente, mas hoje dou valor à via extrajudicial, especialmente por haver boas ferramentas para ajudar o consumidor. O portal “Reclame Aqui” (
www.reclameaqui.com.br) é bem respeitado pelas empresas. Já o utilizei três vezes e consegui sucesso em duas delas. Só não vale extrapolar no direito de reclamar, mentindo ou xingando a empresa, pois isso não é necessário e pode até levar a um processo contra o próprio consumidor, já que as empresas também possuem uma imagem a zelar. Mas, usado com responsabilidade, o site é muito bom. Da mesma forma, há um portal do governo federal chamado “consumidor.gov.br”, que é outra excelente ferramenta para buscar seus direitos nessa área sem precisar do desgaste de um processo judicial.

Com o aumento do mercado consumidor, é normal que os atritos sejam cada vez mais constantes e numerosos. Mas, há como resolvê-los, como eu disse. Guarde provas e tente primeiro os canais de solução direta com a empresa ou por meio dos portais que citei, agindo sempre de forma responsável. Provavelmente, só isso já será suficiente para resolver o seu problema.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.








 

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