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27/10/2019 às 08h15min - Atualizada em 27/10/2019 às 08h15min

Ela ainda é uma recém-nascida

ALEXANDRE HENRY

Depois do domínio do fogo, há centenas de milhares de anos, o que fez o ser humano mais se diferenciar dos demais animais foi o domínio da agricultura, um processo lento que começou há aproximadamente doze mil anos. Mas, as civilizações mais antigas de que se tem notícia datam de alguns milhares de anos depois disso e se concentraram na região do crescente fértil, em uma faixa que vai mais ou menos de onde hoje é o Egito até o atual Iraque. Os sumérios são muito citados como uma das civilizações mais antigas. Mas, outros povos também tiveram muito destaque ao longo da história. Babilônia, Assíria, antigo Egito, antigo Japão, Grécia, Roma, antiga China e por aí vai. Tenho certeza de que você já ouviu esses nomes. O que a praticamente todos esses povos tinham em comum? Não vivam em democracias. Ao menos, não do jeito que conhecemos hoje. Algumas civilizações antigas até tiveram toques democráticos, como no caso da Grécia, mas ainda assim era algo limitado aos homens livres e com alguma posse.

O início do cristianismo não mudou muito esse panorama. A queda do Império Romano levou a um sistema feudal que, definitivamente, não tinha nada de parecido com direito a voto e alternância de poder. No Oriente, dinastias monárquicas se sucediam século após século, deixando o povão à margem de tudo. Na Europa, quando os estados modernos começaram a se formar, o absolutismo marcou época. Suspiros de revolta contra desmandos de reis e imperadores demoraram a aparecer. A Magna Carta, na Inglaterra de 1215, pode ser considerada um marco. Mas, ainda demoraria séculos e muitas revoluções para termos algo parecido com a democracia que conhecemos. A Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos da América foram momentos significativos para mudanças dos sistemas políticos ao redor do planeta, inspirando muitos povos a recusar governantes ditatoriais e a buscar uma participação, ainda que indireta, na gestão estatal. Hoje, a maioria dos países do mundo tem governantes eleitos democraticamente.

Porém, pelo menos um quarto dos países ainda vive, em pleno século XXI, sob ditaduras. Esse número era muito maior há poucas décadas, mas a grande evolução que tivemos desde a 2ª Guerra Mundial e, depois, com a queda do Muro de Berlim, parece bastante estagnada. Em resumo, mesmo com seis mil anos de existência de civilizações humanas, a democracia só deu as caras há duzentos e cinquenta anos e temos menos de um século com a maioria dos países escolhendo seus governantes no voto, com participação de cidadãos de todas as classes e gêneros. No caso do Brasil, estas terras foram ocupadas pelos portugueses a partir do ano de 1500. Desde então, qual foi o período de regime democrático? Estivemos sob o jugo de uma metrópole imperial até 1822. Depois, tivemos nosso próprio regime imperial até 1889. De lá para cá, pequenos períodos de democracia foram sucedidos por fases marcantes e, por vezes, duradouras de ditaduras. Se você somar o tempo de democracia desde 1500, não chegará a 20% do total da nossa história.

Aonde eu quero chegar com isso? Simples: a democracia ainda é um bebê recém-nascido e, portanto, precisa de cuidados extremos. Por todo o mundo, países estão com regimes livres na corda bamba, governantes de esquerda e de direita tentam se perpetuar no poder, ataques às instituições clássicas das sociedades democráticas são feitos cotidianamente e muita gente acha que a solução está em algum salvador da pátria de discurso passional e excludente. Não dá, simplesmente não dá mesmo para se sentir seguro, confiante que a instalação da democracia em nosso país e na maioria das nações ocidentais veio para ficar, não havendo chance de retrocesso.

Qual é o caminho? Quando você achar que alguma instituição democrática não está funcionando como deveria, que ela está sendo um estorvo para o crescimento do país, esteja certo de que o caminho é o aprimoramento dessa instituição, não a sua supressão com a consequente entrega do poder a uma pessoa ou grupo específico. Não se pode adotar a estratégia, quando se fala em democracia, de dar um passo atrás para, depois, dar dois à frente. Assim como um bebê que não sabe ainda andar direito não pode ser amarrado no berço para aprender a caminhar, a democracia não pode ter retrocessos autoritários sob o pretexto de torná-la mais evoluída. Se você ouvir qualquer proposta nesse sentido, saiba que quem a fez não tem boas intenções. Que a democracia siga com seus tropeços, cambaleando, mas que siga tentando caminhar, pois, como acontece com crianças, somente assim se aprende a andar com segurança e firmeza.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.




 

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