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15/09/2019 às 08h05min - Atualizada em 15/09/2019 às 08h05min

A importância do “cara a cara”

ALEXANDRE HENRY

Eu lembro que estava tentando receber fazia um bom tempo. Tinha dado aulas em um cursinho jurídico, mas nada de ser pago. Ligava, ligava e só recebia promessas vagas. Um dia, conversando com um conhecido meu, recebi um conselho bem simples. Ele me disse que certas coisas a gente conversa pessoalmente, pois assim a chance de resolver o problema é bem maior. Pois eu fiz o que ele falou e fui lá conversar com o dono do cursinho. Foi uma conversa rápida, tranquila e que me fez sair de lá com o pagamento.

Isso foi há uns 15 anos, imagino eu. Já existia e-mail, mas os celulares não eram “inteligentes”, não se falava em redes sociais e muita coisa ainda era resolvida no telefone mesmo. De lá para cá, continuei sendo um forte adepto da comunicação escrita por meio de recursos eletrônicos, especialmente quando quero deixar um registro. É o que sempre digo: a palavra falada some no vento, mas a mensagem que você envia de forma escrita fica registrada como prova para qualquer eventualidade no futuro. Porém, por mais que mantenha essa crença, não posso negar que realmente o meu conhecido estava certo. Certas conversas devem ser feitas pessoalmente mesmo, especialmente aquelas que se destinam a convencer seu interlocutor de alguma coisa.

Ouvi há poucos dias uma palestra que ratificou minha convicção quanto à força da conversa pessoal. O palestrante falou de um experimento feito por um grupo de jornalistas e pesquisadores na Alemanha, em 2017. Eles criaram um formulário na internet com algumas perguntas básicas para traçar o perfil das pessoas do ponto de vista político. Deram ao projeto o nome de “Germany Talks”. Ao final do formulário, havia uma pergunta intrigante: “Você gostaria de se encontrar com um vizinho que discorda totalmente de você?”. Os criadores da pesquisa esperavam que algumas centenas de pessoas respondessem, mas, ao final de uma semana, nada menos do que 12 mil alemães tinham respondido ao formulário e se disponibilizado para ter a tal conversa com um oposto ideológico.

Os pesquisadores trabalharam os formulários, montaram os perfis e formaram duplas com pessoas em polos opostos do pensamento político, convidando-as para se encontrar e ter uma conversa cara a cara. “Como você pode imaginar, tivemos muitas preocupações. Talvez ninguém aparecesse na vida real. Talvez todas as discussões na vida real fossem terríveis. Ou talvez tivéssemos um assassino em nosso banco de dados” - contou Jochen Wegner, um dos organizadores, na palestra a que assisti. Contra todas as expectativas, eles conseguiram fazer com que, em junho de 2017, milhares de alemães se encontrassem para discutir política com um estranho que estava no outro extremo do pensamento político, não tendo sido registrado nenhum caso de violência. Por outro lado, os pesquisadores souberam que alguns desses encontros chegaram até a desaguar em casamentos. Os participantes, em geral, relataram ter gostado muito da experiência e que aquilo impactou em suas vidas, especialmente na forma de ver e pensar o mundo.

Fiquei pensando sobre o conselho que recebi há quinze anos e sobre esse experimento. Estamos cada vez mais atrás de telas, seja de computadores ou celulares, tendo mais e mais conversas virtuais em detrimento do contato no mundo físico. Em muitos casos, isso nos permite potencializar a comunicação. Também ajuda na produtividade em várias áreas, pois mais meios de comunicação, com muito mais agilidade, significa uma maior transmissão de informação, algo que sempre esteve ligado à produtividade, especialmente quando se dissemina conhecimento.

Porém, no âmbito das relações sociais em geral e, principalmente, no âmbito do pensamento político, a distância física pode contribuir significativamente para o radicalismo e a potencialização das notícias falsas. Achei muito interessantes as conclusões de Jochen Wegner: “Sempre que duas pessoas se encontram para conversar pessoalmente por horas sem mais ninguém ouvir, elas mudam. E o mesmo acontece com as nossas sociedades. Eles mudam pouco a pouco, discussão por discussão. O que importa aqui é que aprendemos a ter essas discussões cara a cara, sem mais ninguém ouvindo, com um estranho. Não apenas com um estranho que somos apresentados por um Tinder para a política, mas também com um estranho em um pub, academia ou em uma conferência”.

Talvez seja disso que precisamos para apaziguar extremismos. Precisamos mais de conversar cara a cara, especialmente com quem discordamos. A distância digital desumaniza. A presença física faz o contrário.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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