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15/09/2019 às 08h30min - Atualizada em 15/09/2019 às 08h30min

Pelas tabelas

WILLIAM H STUTZ

Pela quinta ou sexta vez começo a escrever e logo apago tudo buscando recomeço. Se estivesse escrevendo em papel, estaria agora cercado de folhas amassadas. As primeiras virariam pequenas bolinhas perfeitas e seriam jogadas com classe de NBA no cesto de lixo. As ideias fervilhando em tropeço, uma história encavalando na outra, parecendo briga de galo em terreiro/arena. Porém, o amassar começa a ficar mais aborrecido e o jogar de folhas mais para arremesso de dardo ou peso, longe o tanto que for. É como rinha de galo, briga de zona, cadeiras voando, garrafas quebrando, gritos e arrancar de cabelos, “mas orquestra sempre toma providência tocando alto para polícia não manjar” – grande Moreira da Silva - O último dos malandros.  Ninguém sabe quem começou e só vai parar quando o piston se calar.

Não estou dando conta de segurar as ideias e estas, como sempre, ganham vida própria, perco domínio e cada uma querendo primeiro lugar no meu escrever. Os dedos a tremer, não encontram as teclas certas. Dou parada. Saio a andar primeiro pela casa. Aquieto frente a cada quadro, milimetricamente dispostos por mãos e olhar habilidosos de Marília no trato com a arte. Como sempre, descubro algum detalhe nunca visto. A beleza se esconde em pequenos detalhes deixados para que nunca nos cansemos de apreciar a obra. Deleitosas surpresas. Vou para o quintal e me ajoelho frente às plantas quase em reza. Arranco alguns matinhos aqui e ali. Sinto um peso. Mato também tem direito de viver. Penso. Tem água e alimento para todo mundo, não vai ser uma moitinha que vai trazer fraqueza para minhas alfaces. Jilós, salsas e cebolinhas se sentem muito bem acompanhados por esses intrusos. Saio de lá me sentindo o mais justo dos homens. Coisa de segundos.

O telefone fixo toca. Encabrero. É venda de cartão de crédito ou plano de alguma operadora de celular, oferecendo o que nunca cumpre. Arrisco. Pronto! Fisgado outra vez. É o famoso, e chato, bom dia senhor! Gostaria de falar com fulano! Mora aqui não! Resmungo. A moça, zelosa de seu trabalho, insiste: Mas senhor, este é o telefone que consta em nosso cadastro!

Hoje estou com paciência e resolvo espichar assunto. Hummm, qual o sobrenome mesmo? Senti algum ânimo na voz da moça. Ela repete, mas agora foi arrogante na certeza de que me pegou. Ah tá, conheço não! De onde é mesmo que a senhora está ligando? Ela responde, agora desafiadora, como se estivesse me dando uma carteirada. É do escritório Fulano e & Fulano Advogados! Fingi impressionado, aí ela cresceu mesmo.

Engraçado como os advogados gostam de colocar o nome de todos os sócios em seus escritórios. Deve ser chique. Se for muita gente pode ser Fulano &Fulano Fulano e & Fulano & Filhos, pois assim aparecem as gerações. Como sorteiam quem vai colocar o nome primeiro? Tenho que perguntar aos meus amigos letrados em leis. Enquanto conversava com a moça sobre a composição dos nomes de escritórios, pensava na minha página em branco. Sacudi uma irritação de lado.

Pois é, com esse sobrenome conheço ninguém. O senhor tem certeza? O assunto é do interesse dele. Olha moça, certeza, certeza, tenho não! Conheço muita gente com esse nome. Vai que um deles tem esse sobrenome né? Aí senti que a irritação trocou de lado. Senhor, o que gostaria de saber é se conhece essa pessoa com este sobrenome, neste número que estou ligando.

Entendi, conheço não! Aqui em casa não tem ninguém com essa alcunha. Por esta o quê, meu senhor? Não precisa ser grosseiro e usar palavreado baixo. Moça, xinguei não, alcunha quer dizer… Parei de explicar e lhe disse: Jogue no Google vai, e tenha um bom dia! Vê se tira meu número de seu cadastro!

Bati o telefone sem paciência, para logo me arrepender do feito. Ela era que nem o matinho na horta. Só fazia viver. Que direito tinha eu de atrapalhar o seu dia? Talvez naquele mesmo momento ela chorasse de raiva de minha grosseria. E se perdesse o emprego? Vai que brigou com o namorado ou rompeu noivado e anda nervosa? Talvez este fosse o motivo da falta de paciência. E se perdeu algum parente? Como pude!?

Vou carregar essa culpa por um bom tempo. Pronto, passou! Juro que não atendo mais telefone fixo. Afinal, quem liga neles? Quando isto acontece é engano ou essas histórias aqui contadas.
 
Ainda bem que não escrevo com tanta frequência nas minhas folhas A4, o computar é minha arma carregada até a boca. Tudo legalizado, tenho porte de letras. Pelo menos não desperdiço papel e fico com a inocente impressão de que salvei alguma árvore. “Pobre de mim/ Pobre de nós.”

Ainda não sei sobre o que vou escrever para domingo...
 
*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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