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18/08/2019 às 08h30min - Atualizada em 18/08/2019 às 08h30min

Não, ele não vai mudar

ALEXANDRE HENRY

Depois de quase três décadas mergulhado na dependência química, incluindo cocaína e crack, ele se viu diante do caixão da mãe, que perdera a vida de forma relativamente precoce por conta de um câncer no pulmão. Ali, com a visão turva pelas lágrimas, ele jurou que nunca mais usaria nenhuma droga. O pai, ao lado, ouviu a promessa e foi muito sincero: “Você não precisa prometer nada. Mas, se prometer, vai ter que cumprir”. Quase uma década depois, ele é outra pessoa. Achou seu lugar no mercado de trabalho, tem um relacionamento estável e segue uma vida normal. Ciente de que a dependência química é uma doença incurável, ele se segura na promessa para manter o controle, algo que vem conseguindo desde as lágrimas sobre o caixão da mãe.

Essa foi uma história de mudança que ouvi outro dia de uma pessoa conhecida. Eu mesmo presenciei outra e também ligada a vício, só que de cigarro. Era o ano de 2010, eu morava em Porto Velho e uma tia da minha esposa foi nos visitar. Com 59 anos de idade, ela era obesa, diabética e sofria de pressão alta. Na segunda-feira que seria a de sua volta, ela amanheceu com uma dor no peito e minha esposa a levou para uma consulta. O médico disse que era um princípio de infarto, deu alguns remédios e recomendou que ela adiasse a viagem por alguns dias. Mas, a troca da passagem de avião era cara, muito cara, e ela não tinha boa condição financeira, tanto que a passagem havia sido um presente nosso. Falei com ela então que poderíamos fazer um acordo: ela pararia de fumar, algo que fazia compulsivamente, e eu arcaria com os custos da passagem. Na verdade, eu faria isso de qualquer jeito, mas aproveitei a oportunidade para ver se conseguia ajudá-la a largar o vício. Ela aceitou e, durante os sete anos em que ainda viveu depois daquele dia, nunca mais colocou um cigarro na boca.

Apesar dessas duas histórias bacanas, eu tenho que confessar que fui perdendo aos poucos a minha fé na capacidade do ser humano de mudar ao longo da vida, especialmente em relação às mazelas de caráter e de comportamento. Antes, eu acreditava que bastava um evento traumático, como esses dois que relatei, para a pessoa tomar um rumo melhor na vida. Hoje, depois de ver inúmeras outras histórias com final diferente dessas duas, acredito que nem mesmo os traumas têm tanta força assim para fazer alguém abandonar seus defeitos. A sensação que tenho é de que a pessoa dobra a aposta e, na maioria das vezes, concentra-se não em melhorar, mas em achar uma saída para continuar fazendo o que é errado sem ter o mesmo tipo de problema que teve. Em outros casos, simplesmente nem pensa no assunto, nem percebe que errou.

Isso me faz voltar às teorias sobre os vieses cognitivos de que falei há alguns dias. A sensação que tenho é a de que o ser humano já nasce com uma formatação genética pronta para determinadas falhas de caráter. A isso, podem se juntar alguns traumas e experiências na infância capazes de consolidar certas crenças e comportamentos. Pronto! A partir daí, torna-se quase impossível alterar os hábitos da pessoa e o que se terá ao longo da vida será sempre mais do mesmo. Se a pessoa é mentirosa, vai ser mentirosa até morrer. Se é desonesta no trato com o outro, assim continuará sendo. Se tende a procurar desculpas para encobrir os próprios erros, se é dada a buscar confirmações para suas crenças equivocadas, tudo isso só se tornará mais agudo com o passar dos anos, mesmo que alguns eventos mais traumáticos ocorram.

Acho que tirei esse meu pessimismo determinista das observações que faço em relação ao mundo ao meu redor. No trabalho, na vizinhança, na família, o que acontece me parece confirmar esse pensamento: os problemas vêm sempre das mesmas pessoas e quase sempre com a mesma embalagem. Como diria o poeta roqueiro, “são crianças como você, o que você vai ser quando você crescer”. É possível mudar? Sim, é. Talvez pela religião, aquela que vai lá no fundo da pessoa a ponto de alterar as crenças mais arraigadas. Talvez por uma terapia muito bem conduzida. Eventualmente, pela morte trágica de uma pessoa amada ou um susto gigantesco em relação a si mesmo, como um infarto ou alguns dias na cadeia. Porém, as chances de mudança são pequenas.

Talvez que essa minha visão seja fruto de um viés de confirmação que não me deixa enxergar mais exemplos ao meu redor de mudanças positivas. Pode ser. Se for, preciso repensar minhas crenças, pois, definitivamente, ando com pouca esperança no ser humano quando o assunto é capacidade de mudar.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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