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19/07/2019 às 10h43min - Atualizada em 19/07/2019 às 10h43min

O ponto da massa

CELSO MACHADO
Tem pessoas que com o passar dos anos se tornam mais sábias, serenas e dóceis. Outras pelo contrário, renovam suas insensibilidades e ganância. Ficam velhas, mas não conseguem alcançar a senioridade.

Quem atuou na área da comunicação há algum tempo conhece bem uma palavrinha muito usada no meio: “smell”. É do idioma inglês e significa “cheiro”. Só que não era utilizada para expressar olfato de coisas e produtos, mas de fatos, de acontecimentos. Tratava sobre a capacidade de sentir quando algo não ia dar certo, mesmo sem as evidências formais para isso. Uma forma de intuição que só a bagagem da vivencia propiciava.

A razão muitas vezes sinalizava uma direção, o smell não ficava preso a ela, mas conseguia ir além: perceber com clareza o oculto do aparente.

Tem pessoas que com o passar dos anos se tornam mais sábias, serenas e dóceis. Outras pelo contrário, renovam suas insensibilidades e ganância. Ficam velhas, mas não conseguem alcançar a senioridade.

A busca por resultados à curto prazo em que empresas e instituições miram exclusivamente a rentabilidade provocam substituições de profissionais cuja qualificação vai muito além da competência técnica por outros de boa bagagem técnica. Muitas vezes dá certo, também porque a renovação é necessária. Só que deixar de atentar para a senioridade tem seu preço. Que nem sempre é pequeno.
Engana-se também quem pensa que senioridade só vem com o tempo. É muito mais uma questão de sensibilidade, de respeito, de humildade do que o simples passar dos anos.

Tem muito jovem que alcança a senioridade rapidamente e gente velha que vai morrer imatura.

Lembro-me de uma grande corporação nacional que foi privatizada que instituiu aposentadoria compulsória para quem completasse 60 anos.

Essa decisão acabou determinando a demissão de todos os antigos maquinistas e a substituição por uma turma bem mais jovem, com formação técnica, mas sem a bagagem da experiência.

No começo foi beleza, até porque os salários dos recém contratados era menor e com isso o resultado da operação melhorou.

Até que um dia, uma das máquinas apresentou um problema que nenhum deles foi capaz de solucionar. O jeito foi trazer de volta alguns veteranos aposentados, pedir humildemente suas ajudas. E, recontratá-los por um período para ministrar cursos e repassar conhecimentos que só a vivência é capaz de ensinar.

De outra vez em que gravava uma matéria sobre biscoito artesanal, perguntei a cozinheira qual o segredo de fazer uma rosca tão saborosa. Além de bons ingredientes, me respondeu a velha senhora: colocar para assar quando a massa estiver no ponto.

Curioso indaguei: “e como vou saber qual é o ponto da massa?” Docemente como o biscoito que fazia me respondeu: “com o tempo você aprende”.

Quando vejo situações desastrosas que poderiam facilmente ser evitadas me vem a lembrança a sabedoria do “smell”, de valorizar quem sabe o “ponto da massa”. Quem tem senioridade.


*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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