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02/07/2019 às 08h14min - Atualizada em 02/07/2019 às 08h14min

Casos de Minas

ANA MARIA COELHO CARVALHO

Adoro livros. Comecei na infância com “Lalau, Lili e o Lobo” e fui progredindo. Recentemente, li “Casos de Minas”, de Olavo Romano. Bom demais, com casos acontecidos nas pequenas cidades de Minas e na roça. Tem histórias de alma penada, de pirraça de marido velho com a mulher “cobra caninana”, de casal apanhado na moita de bambu, de benzeção para curar cobreiro e vento virado, de dedos de prosa na varanda, de moça fugindo para casar, de parto encruado.

Casos como o do Mestre Rufino, que ensinava música para a Maricota, que não conseguia entender o que significava “o sustenido eleva meio tom”. Ela abandonou o curso na síncope, uma lição antes das três quiálteras (foi aprender a cozinhar). A história da Doralice, apaixonada pelo Zico, que escreveu para ele uma cartinha, terminando assim: “atirei um limão verde na porta da sacristia; deu no ouro, deu na prata, deu no moço que eu queria”. O caso do Chico Lourenço, homem de rompante, que levou a vida berrando e criou os dois filhos no grito: o Chiquito, que vivia caçando encrenca e rabo de saia, e o Luiz, que vivia a vida sem pressas e sem aventuras. Do médico cansado e dedicado, tratando do povinho sem recurso que pagava com frango, arroz e ovo (quando o tratamento era caro, pagavam com porco). Do Quinzinho, contando a morte da Bebeca, sua esposa, que “quando acordou, estava morta”. Depois disso, viveu triste e desacorçoado. E a história do Zizi do Palmital, então? Em uma cidade grande, ele nunca passaria de mendigo ou maluco. Mas na cidadezinha de interior onde vivia, aprendeu uma profissão por acaso, no dia em que saiu com o palhaço do Circo Panamericano para fazer propaganda do espetáculo. Arrumou um parafraseado tão engraçado e fez tantas piruetas que ninguém quis saber do palhaço, só do Zizi. A partir daí, mesmo fazendo enormes confusões, era sempre contratado para fazer propagandas.

Há no livro descrição de cenas bucólicas, como: “um carcará pia atrás da casa, um carrapateiro pousa no barracão, uma vaca berra, o bezerro responde no curral, o sol se esconde atrás da moita de bambu”. E também ditados sábios, como “em festa de nhambu, jacu não entra”; “galo que canta fora do terreiro, é defunto certeiro”; “fica bobo na praça, que o tamanduá te abraça.”

Além disso, trechos divertidos mostrando a fala dos mineiros que juntam tudo e engolem letras. O “devogado” Washington, conhecido como Osto; o John Kennedy, chamado de Tião Quêmis; a festa do Mártir São Sebastião, abreviada para Mar Sonsabastião.

O dicionário mineirês-português, que circula na internet, aborda a prosa dos mineiros. Por exemplo: “prestenção: é quâno eu tô falano iocê num tá ovino”; “isturdia: ôtru dia”; “Jisdifora: cidade pertim do Ridijanero”; “sapassado: sábado passado”; “oipocêvê: óia procê vê”. E por aí vai. Fico é com pena do meu genro americano, que anda tentando aprender português. Se o português já é difícil, imaginem misturado com o mineirês. Um dia, o meu filho, mineiro da gema, apressando o pessoal que enrolava para sair, falou: “ôu, cês vai ou cês num vai?”. O genro respondeu prontamente: “eu vai”. Pra piorar, a filha argumentou que os dois precisam falar em português com o filhinho deles. O genro disse, com sotaque carregado, que então só podia falar as palavras que aprendeu aqui: nossa! credo! trem e uai. Para quem não sabe, nossa é o mesmo que “nóoo e vem de Nóoosinhora”; “uai é uai, sô’; e “trem qué dizé quarqué coizz qui um mineirim quizé”. Ex: “já lavei us trem”, “nóoo, qui trem bão!!”

Só sei que ser mineiro é “bãodimais”.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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