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09/06/2019 às 10h00min - Atualizada em 09/06/2019 às 10h00min

A acusação contra Neymar

ALEXANDRE HENRY
O caso sobre o qual todo mundo está falando, do suposto estupro cometido pelo jogador Neymar, é uma mostra do quanto é difícil descobrir a verdade na maioria dos chamados “crimes contra a liberdade sexual”, já que geralmente não deixam provas diretas sobre o que realmente aconteceu.

Mas, vamos falar em tese das soluções jurídicas cabíveis. Em primeiro lugar, deve-se verificar o que diz a lei sobre esse tipo de crime. Está lá no Código Penal: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. Assim, em primeiro lugar, a vítima tem que ser constrangida, ou seja, ela deve praticar o ato contra a sua própria vontade. É possível que exista uma ameaça ou violência, mas se a vítima quer ter a relação, isso se torna desimportante. Quer um exemplo? Há práticas sexuais ligadas ao sadomasoquismo em que a violência é um elemento do ato, mas quem tem uma relação nesse contexto, em regra, não é sujeito ativo ou vítima de estupro, pois existe uma vontade de participar do ato.

Bom, mas digamos que a vítima realmente seja constrangida. Basta? Não, pois tem que haver o elemento da violência ou da grave ameaça. A violência está presente quando há emprego principalmente da força física. Quanto à ameaça, ela deve ser de natureza grave. Não há definição na lei do que possa representar essa gravidade, cabendo ao juiz analisar caso a caso, o que não é exatamente uma tarefa de complexidade extrema, pois vigora aí o senso comum. Se eu disser “Transe comigo ou eu mato a sua mãe!”, isso é uma grave ameaça. Se eu disser “Transe comigo ou eu vou rogar uma praga contra você!”, isso não é uma grave ameaça, a não ser em casos absolutamente específicos e pouco prováveis.

Em relação à definição de conjunção carnal, ela é simples e diz respeito à introdução do órgão genital masculino no órgão genital feminino. A definição de ato libidinoso já é mais complexa, mas geralmente está relacionada a atos que digam respeito a estímulos ou ações sexuais diversos da conjunção carnal, como o toque nas partes íntimas, nos seios, o sexo oral, o sexo anal etc.

Feitas essas explicações, cabe dizer que o fato da pessoa ter chegado a uma situação pré-relação sexual por livre e espontânea vontade, sem sofrer violência ou grave ameaça, não exclui a existência do crime de estupro. Vamos pegar o exemplo do caso do Neymar. Se a moça viajou para Paris com a intenção de se encontrar com o jogador e de ter relações sexuais com ele, mas desistiu na hora H, pode ter havido estupro. Pode? Sim, desde que o jogador tenha usado de violência ou de grave ameaça para dar sequência ao que foi interrompido por ela. Não existe previsão em nenhuma lei de que a pessoa não possa desistir de ter uma relação sexual, ainda que os dois estejam nus e tudo tenha corrido dentro da vontade de cada um até ali. Não interessa o motivo pelo qual a pessoa tenha desistido: se já pensava em não consumar o ato desde o começo, se ficou arrependida de estar fazendo aquilo, se desistiu porque a outra pessoa não quis usar preservativo ou estava com um odor desagradável, enfim, não se analisam os motivos da desistência, já que ninguém é obrigado a transar com ninguém.

Você pode estar pensando: “Nossa, mas como vai condenar o cara se a moça já viajou mal intencionada, se aquilo tudo foi uma armação?”. Bom, não estou dizendo que foi isso o que aconteceu. Mas, se realmente essa foi a realidade, isso não exclui o crime se, na hora H, ela disse não e ele a obrigou, mediante violência ou grave ameaça, a transar com ele. Por mais que a situação fosse revoltante do ponto de vista do Neymar, o correto seria vestir a sua roupa e ir embora dali. Claro, se essa foi mesmo a situação ocorrida, a conduta da moça pode pesar na definição da pena. Só não pesa para excluir o crime. Por outro lado, se não houve qualquer violência ou grave ameaça, ou se o jogador estava em uma situação na qual a violência ou grave ameaça faziam parte de um “jogo sexual”, como se fosse uma relação sadomasoquista, creio que poucos juízes o condenariam, já que é preciso também que o autor do crime queira ou entenda que está cometendo uma violência ou uma grave ameaça contra a vítima.

Enfim, são muitos os detalhes que cercam essa história obscura. Torço para que a polícia consiga fazer um bom trabalho de investigação e que a justiça seja feita para quem tiver razão nessa história, seja a moça, seja o jogador.

*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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