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02/06/2019 às 10h32min - Atualizada em 02/06/2019 às 10h32min

Outro foco para a educação

ALEXANDRE HENRY
“As avaliações feitas pelas escolas e pelo sistema de ensino em geral se esquecem de que há algo extremamente importante para o desenvolvimento humano, que são as chamadas habilidades não cognitivas”
 
Conta James Heckman, Prêmio Nobel de Economia em 2000, que ele foi convidado no começo dos anos 1990 para conhecer um programa revolucionário na área educacional. Em dois ou três meses, alunos que haviam abandonado a escola eram preparados para fazer um teste chamado GED - General Educational Development. Uma vez aprovado no GED, o aluno recebia um certificado equivalente ao do ensino médio de lá (chamado de high school). O que impressionava naquele programa era que tais alunos acabavam tendo notas semelhantes às de estudantes que tinham passado anos nos bancos das escolas.

Porém, segundo Heckman, quando se passou a analisar a vida dos egressos do programa, notou-se que a maioria deles não era tão bem sucedida na vida como os que não abandonaram a escola, ainda que tivessem o mesmo nível de rendimento nos exames. “Se conseguissem um emprego, era provável que o abandonassem ou fossem demitidos. Se eles se casassem ou estabelecessem algum tipo de parceria, o quão estáveis eles seriam quando comparados aos alunos normais do ensino médio? Muito menos estáveis. E sobre crime? Muito mais sujeitos a cometer crimes” – narrou Heckman em um programa da série Hidden Brain, da rádio pública americana NPR. “Foi uma visão reveladora saber que essas pessoas eram tão espertas quanto os graduandos do ensino médio quando medidos pelos tipos de testes em que se focavam as políticas públicas. Mas, na vida real, eles não estavam conseguindo ser bem-sucedidos da mesma maneira”.

O ganhador do Prêmio Nobel conta que, como o referido programa educacional deixou evidente, as avaliações feitas pelas escolas e pelo sistema de ensino em geral se esquecem de que há algo extremamente importante para o desenvolvimento humano, que são as chamadas habilidades não cognitivas. Há um foco tão extremado nas habilidades cognitivas, na capacidade de acumular conhecimento e de raciocinar de forma lógica, que se esquece do restante.

Cruzemos o Oceano Atlântico para falar de outro vencedor do Prêmio Nobel, desta feita de Literatura. Sir Winston Churchill, agraciado pela Academia Sueca em 1953, foi primeiro-ministro do Reino Unido por duas oportunidades, sendo a primeira delas entre 1940 e 1945. Ele assumiu o cargo justo quando seu país estava prestes a sucumbir diante do poderio nazista de Hitler. Churchill manteve o povo britânico unido, elevou sua moral e conseguiu fazer com que o Reino Unido aguentasse sozinho os ataques nazistas por mais de um ano, até os americanos e soviéticos entrarem na guerra. O que nem todos sabem, quando olham para trás e veem o grande homem que Churchill foi, é que ele não foi um bom aluno e nunca se destacou, durante seus anos de colégio, em quase nenhuma matéria. O que não faltava no líder britânico, e talvez essa seja uma das suas maiores virtudes, era a capacidade de persistência e de renascimento diante das adversidades. Foi isso que permitiu a ele subir às glórias da política e descer aos seus infernos tantas vezes, para depois novamente voltar ao topo.

O que Churchill tem a ver com o problema narrado por Heckman? Muita coisa. Provavelmente, o primeiro-ministro inglês não teve ajuda na escola para desenvolver suas habilidades não cognitivas, mas é inegável que foram elas que fizeram dele um grande homem. Ser persistente no caminho da vitória, resiliente quando os tropeços acontecem, saber dominar as emoções, tudo isso é essencial para o desenvolvimento de cada um e, sem tais habilidades, Churchill provavelmente não teria sido um décimo do que foi, mesmo se tivesse sido um grande aluno na escola, do ponto de vista das habilidades lógico-cognitivas.

Nem todo mundo consegue se desenvolver sozinho nessa área. Aliás, poucos conseguem. Por isso, é importante que nosso sistema educacional continue com foco no ensino racional, pois os alunos precisam mesmo dominar matemática, física, química, biologia, geografia etc., mas é fundamental que esse não seja o único foco. Na realidade brasileira, sei que isso é quase um sonho, mas temos que ter como meta um acompanhamento integral de cada aluno, com apoio psicopedagógico e uma preocupação também no desenvolvimento das habilidades não cognitivas. Como citou o ganhador do Nobel de Economia, sem tais habilidades há mais crime, mais divórcios, menos estabilidade no emprego, enfim, todo um conjunto de fatores negativos não só do ponto de vista individual, mas também coletivo. Quanto custa para o país deixar a educação de seus cidadãos incompleta? Talvez nem Heckman, Prêmio Nobel de Econômica, consiga calcular.

*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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