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07/04/2019 às 08h00min - Atualizada em 07/04/2019 às 08h00min

Cem dias do novo governo

ALEXANDRE HENRY
Se tem algo que eu não faço é torcer contra o governo Bolsonaro – já disse isso aqui outras vezes. Sim, há um monte de ideias dele com as quais não compartilho. Para começo de conversa, eu tenho uma tendência mais liberal no tocante aos costumes, adotando a máxima de que a felicidade de alguém, se não trouxer infelicidade a outrem, é problema só dele.

Mas, não é só na questão comportamental que tendo a discordar dele. Sou um liberal moderado no tocante à economia. Não penso que tudo deve ser deixado por conta do mercado, mas acredito que o papel do governo deve ser bastante reduzido. Nisso, também me diferencio do presidente. Quem conhece a história dele sabe que Bolsonaro tem uma mente mais estatizante do que era a Dilma Rousseff. A cabeça dele foi moldada pelas políticas do governo militar da década de 1970, voltadas para a criação de estatais, fechamento de mercado e regulamentação forte da economia.

Ah, mas tem o Paulo Guedes! Bom, quem acompanhou esses três primeiros meses de governo já percebeu que as ideias liberais de Guedes parecem descer quadrado na garganta de Bolsonaro, quase como um remédio de gosto horrível que o paciente só toma porque sabe que, sem ele, não terá muito tempo de vida. No mais, raríssimas são as pessoas que conseguem mudar uma visão de mundo depois da sexta década de vida. Não estou aqui criticando ninguém com mais de 60 anos de idade. Só estou dizendo que, quanto mais o tempo passa, mais os conceitos que cada um tem sobre o mundo vão se cristalizando, sendo muito difícil mudá-los. Bolsonaro é antiliberal e o discurso eleitoral não me convenceu do contrário.

Ainda que tenha todas essas divergências em relação ao presidente, confesso que comecei o ano com certa esperança em relação a ele. Mas, Bolsonaro está conseguindo me decepcionar mesmo sem ter recebido o meu voto. Não falo dos problemas do Ministério da Educação, que virou uma balbúrdia sem fim. O presidente já havia falado o que faria com relação ao ENEM e ao ensino em geral, razão pela qual só se assusta com os rumos do MEC quem não acompanhou o discurso dele nas eleições. Diga-se o mesmo do Ministério das Relações Exteriores. Bolsonaro, também nessa área, deixou claros os seus propósitos e, sinceramente, não está se afastando deles. Aproximação com os EUA e Israel, ataques a países com governos de esquerda e por aí vai: tudo isso estava no programa eleitoral.

Então, por que me sinto decepcionado? Porque eu acreditei, por um momento, que realmente ele apoiaria as políticas liberais na área econômica, mesmo sem ter se convertido à mesma escola de Paulo Guedes. Só que isso não está acontecendo e o país tende a se afundar novamente em uma recessão se os rumos não mudarem rapidamente. Eu trabalho com temas previdenciários todos os dias e sei muito bem que precisamos de uma reforma da Previdência bem radical, pois boa parte do dinheiro do governo vai para pagamento das aposentadorias e demais benefícios sociais, deixando pouco espaço para investimentos. Mais do que isso, se há gente que se aposenta muito tarde, há uma boa quantidade que, logo cedo, já recebe dos cofres públicos, mesmo estando em plenas condições de trabalhar.

Eu achei, sinceramente, que Bolsonaro colocaria mais energia nessa reforma da Previdência. Mas, foi uma ilusão. Por quê? Porque o histórico do presidente não é de um agregador, não é o de um líder, não é de alguém que une pessoas com pensamentos diferentes, capacidade essencial para um bom governante em uma democracia. Ele nunca teve um papel de destaque no Congresso e isso não tem nada a ver com nova ou com velha política, mas com capacidade de articulação.

É só você pensar e verá que já passaram pelo Congresso muitos nomes que, sendo de reputação ilibada, tinham destaque por lá. Bolsonaro não foi um desses. Mais do que isso, na própria campanha, ele mostrou que não tinha controle nem mesmo sobre seu entorno. Em resumo, eu já sabia que ele não teria uma boa condução política e que isso dificultaria muito qualquer reforma da Previdência. Mas, torci por um momento para que eu estivesse errado, esquecendo-me do histórico o presidente.

Não, seu governo ainda não acabou. Continuo torcendo para que ele segure firme o timão desse nosso Brasil e nos faça atravessar para águas mais calmas. Está difícil, muito difícil, piorando a cada dia. Cada vez menos esperançoso, sigo torcendo por ele. Que, daqui a um ano, eu possa escrever novamente neste espaço palavras de elogio aos primeiros quinze meses de governo dele. Tomara.
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