Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
24/03/2019 às 08h00min - Atualizada em 24/03/2019 às 08h00min

Uma ideia estúpida

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
O Brasil de 1930 ainda era um país majoritariamente rural, mas já estava bem desenvolvido se comparado aos tempos do império ou da colônia. Mesmo assim, de cada 1.000 crianças nascidas, cerca de 162 não chegavam a completar um ano de vida. Como as famílias eram muito grandes, era raro encontrar uma que não tivesse perdido ao menos um bebê. Se formos um pouco mais além no passado, veremos que as coisas eram ainda piores. Na Inglaterra dos anos 1600, estima-se que 60% das pessoas morriam antes de completar 16 anos de idade.

As causas das mortes eram variadas e, claro, atingiam mais a parcela mais pobre da população. Mas, os ricos também sofriam. Há algum tempo, escutei um curso sobre a história dos EUA e fiquei impressionado com os comentários sobre cada um dos presidentes americanos. Boa parte deles seguiu a triste estatística de não ver a maioria de seus filhos chegarem à idade adulta, mesmo crescendo em boas condições e sem passar fome.

Hoje, o Brasil ainda não é um país desenvolvido, mas viu em 2017 uma taxa de mortalidade infantil de apenas 12,8%. Lembra que cerca de 162 bebês a cada 1000 não chegavam a completar um aninho de vida em 1930? Noventa anos depois, apenas 13 a cada 1000 têm esse mesmo destino trágico. É uma evolução impressionante e que pode ser creditada não apenas à melhora da alimentação, mas a inúmeros outros fatores, dentre os quais um dos mais importantes é o saneamento básico. Era imenso o número de mortes decorrentes da falta de higiene, especialmente pela ingestão de alimentos e água contaminados com parasitas mortais. Outro fator importante para a queda da mortalidade foi o desenvolvimento de medicamentos para inúmeras doenças, com grande destaque para os antibióticos. Criança se machuca com facilidade e, antes dos antibióticos, um pequeno corte poderia se tornar uma infecção generalizada.

Há, porém, um fator que nenhuma pesquisa descarta nessa queda acentuada da mortalidade infantil: a introdução da vacinação em massa da população. Doenças infectocontagiosas não representam mais, a não ser em casos muito específicos, o grande temor de quem tem um bebê. A lista de doenças que podem ser afastadas com vacinas, de forma parcial ou completa, é muito grande. Cito apenas algumas: tuberculose (quase morri disso quando bebê), hepatite, difteria, tétano, coqueluche, meningite, poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, varicela, febre amarela e pneumonia. Se você analisar quantas crianças morriam ou sofriam de forma cruel com essas doenças há 150 anos, depois pegar os mesmos números hoje em dia, verá uma queda avassaladora. Como não estamos falando do índice de crianças curadas, mas de crianças que não contraíram essas doenças, a única explicação é o uso de vacinas.

Porém, tem crescido o número de pessoas que aderem ao chamado movimento antivacina. Como disse o poeta romano Terêncio, "sou um homem: nada do que é humano me é estranho". Mas, é inegável que um movimento assim é capaz de chocar quem tem o mínimo de inteligência e bom senso. Para piorar as coisas, as redes sociais acabam amplificando as vozes da estupidez e, a cada dia, mais e mais gente acredita que vacinas fazem mal às nossas crianças. Toda a história da medicina e da saúde pública, registrada em livros confiáveis e em estudos das mentes mais brilhantes dos últimos séculos, todas as estatísticas produzidas pelos mais diversos países, nada disso parece ter mais importância do que aquele "vídeo bombástico", falando mal da vacina, que o tiozão compartilha no grupo da família perguntando "será que é verdade?". Ao assistir ao "Zé Fulano Sei lá de Onde" falar mal das campanhas de imunização, muita gente embarca em teorias conspiratórias esdrúxulas e acha que passou a fazer parte de um grupo minoritário e seleto que "conhece a verdade" e não se deixa enganar por governos e corporações perigosas. O ato seguinte é deixar de se vacinar e, pior, deixar de vacinar seus filhos.

Se você, em algum instante da sua vida, colocou em dúvida a eficácia das vacinas, eu te peço duas coisas: a) estude um pouco mais sobre o assunto, a partir de fontes confiáveis; b) nunca, mas nunca mesmo, deixe de vacinar seus filhos. Você não tem o menor direito de colocar a vida de uma criança em risco, mesmo sendo seu filho, só porque você decidiu abdicar da sua capacidade de reflexão em prol da participação no seleto grupo dos acham que descobriram uma conspiração mundial para controle da humanidade por meio de vacinas.
Tags »
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90