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10/03/2019 às 07h00min - Atualizada em 10/03/2019 às 07h00min

O erro de Bolsonaro

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
A polêmica do carnaval de 2019 foi a postagem do presidente Jair Bolsonaro com um vídeo escatológico. Para piorar, depois o presidente voltou à rede social para perguntar o que era golden shower. Bom, acho que você já conhece a história.

Eu vi o vídeo. Realmente, as cenas não são, digamos assim, compatíveis com uma sessão da tarde. A primeira delas, apesar dos ares grotescos, nem me espantou tanto, pois cada um coloca o dedo onde quiser, desde que seja no seu próprio corpo. Claro, fazer isso em público não é algo que se vê todos os dias e nem se deveria ver publicamente em hora alguma, mas convenhamos que era carnaval e, se montássemos um ranking das cenas mais pesadas do ponto de vista da pornografia, considerando os cinco dias de festa, provavelmente aquela não ficaria em primeiro lugar. Não estou dizendo que não foi pesada, veja bem. Já a segunda cena, a que fez o Brasil conhecer o significado da expressão golden shower, essa me impressionou um pouco mais, pois certos fetiches fogem à minha compreensão e um deles é receber um jato de urina na cabeça. Porém, repito: era carnaval e talvez essa também não fosse a cena mais pesada colhida durante a festa, se fizéssemos um campeonato de bizarrices públicas.

Não, não se pode tudo no carnaval, ao menos diante de uma multidão (o que se faz em ambiente privado, entre duas pessoas adultas, capazes e de forma consentida, não me diz respeito). Apesar de compreender o calor do momento, apesar de compreender que o carnaval é um período sui generis, que leva a comportamentos geralmente confinados a quatro paredes e um teto, não achei que os dois rapazes que protagonizaram o vídeo agiram de forma correta. Um bloco de carnaval tem muita gente que está ali apenas para dançar e se divertir sem toques de libido, gente que, se quisesse ver cenas de sexo, alugaria um filme pornô e o veria em um lugar mais reservado. Essas pessoas têm o direito de pular carnaval sem um show erótico ao vivo. Enfim, o fato de tudo ter ocorrido no contexto do carnaval pode ser uma explicação, mas não uma justificativa. Ameniza o que a dupla fez, mas não expurga o conteúdo inadequado dos atos.

Falo então do ato do presidente e já adianto que não vai aqui nenhum comentário de conteúdo jurídico. Limito-me a um raciocínio lógico. Feita a ressalva, posso dizer com segurança que achei o comportamento do presidente totalmente incoerente. Como eu disse, e acho que o presidente também concorda comigo nesse ponto, o que acontece em um quarto entre dois adultos não é da conta de ninguém, a não ser dos dois mesmo. Se a pessoa quer utilizar o dedo de forma não convencional em seu próprio corpo, mas o faz no recanto de sua intimidade, não há nada de errado com isso. Da mesma forma, se a pessoa sente prazer na prática do golden shower e faz isso toda semana em um banheiro de motel, o único erro que pode existir é de quem não respeita o livre arbítrio dessa pessoa. Resumindo, os atos, em si, não representaram o problema, que se restringiu ao fato deles estarem fazendo aquilo em público.

Se o problema era a publicidade dos atos, a única coisa que não se poderia fazer para criticar o comportamento dos dois rapazes era dar ainda mais publicidade ao que eles fizeram, espalhando o vídeo da cena de carnaval. Percebeu a incoerência? É mais ou menos como a Maria contar um segredo para o João e para o Ricardo. Digamos que ela tenha contado que adora o tal do golden shower. Aí, o Ricardo vai e conta para o Henrique. João fica sabendo que Ricardo não guardou segredo e acha aquilo um absurdo, pois realmente era uma intimidade revelada por Maria que não deveria ser contada para ninguém. Mas, para mostrar ao mundo o erro de Henrique, João conta para todo mundo que Ricardo contou para Henrique que Maria aprecia o golden shower. E assim, o que era um segredo revelado de forma indevida apenas para outra pessoa passa a ser do conhecimento de todo mundo, justamente pela boca de quem criticou a falta de discrição da outra pessoa.

Estou seguro em dizer que o presidente errou ao publicar o vídeo. Não do ponto de vista jurídico, pois nessa área eu me abstenho, por razões profissionais, de comentar. Ele errou do ponto de vista da lógica, da coerência. Se era para criticar uma cena imprópria para um local público, que o fizesse só com palavras ou, quiçá, com uma foto devidamente tarjada. Mas, dar publicidade a uma cena para criticar o fato dela ter sido feita em público, sinceramente, foge à minha compreensão.



*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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