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08/03/2019 às 10h17min - Atualizada em 08/03/2019 às 10h17min

22 anos da SOS Mulher e Família e desafios para a cultura da paz

CLÁUDIA GUERRA | MEMBRO FUNDADORA E VOLUNTÁRIA DA ONG SOS MULHER E FAMÍLIA
Essa história é antiga, polêmica e há versões diferentes para sua origem e significado. Mas, de modo geral, em 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos de Nova York, EUA, fizeram uma das primeiras greves conduzidas por mulheres. Reivindicavam redução da jornada de trabalho que era de 16 horas diárias, licença-maternidade, igualdade salarial, com melhores condições de vida e de trabalho. Em resposta, os patrões trancaram a fábrica com as trabalhadoras dentro, jogaram gasolina e atearam fogo. Aproximadamente 129 mulheres foram queimadas vivas.

A II Conferência Internacional Socialista, realizada em 1910, em Copenhagen, na Dinamarca, aprovou uma resolução, por meio da alemã Clara Zetkin, que estabelecia o Dia 8 de Março, como o marco da luta pelo reconhecimento dos direitos da cidadania feminina. Com o decorrer do tempo, a data passou a ser comemorada em vários países do mundo e em 1975 foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional da Mulher.

No contemporâneo, muitas mulheres lutam pela não violência, pelo exercício pleno e livre de sua sexualidade, pela igualdade de direitos e de oportunidades em todos os setores, pela divisão das tarefas domésticas com seus companheiros e familiares, assim como pela responsabilização do casal pela educação dos (as) filhos(as), pela igualdade salarial no mercado de trabalho, pela ocupação em cargos de chefia e atuação política, dentre tantas outras reivindicações. Enfim, opondo-se a práticas históricas de exclusão e descaracterização que possam acontecer pelo simples fato de serem mulheres. Várias possuem garantias e vivem num mundo melhor graças também ao sofrimento, ousadia e às conquistas de mulheres do passado.

Em homenagem a essas trabalhadoras assassinadas em 1857, o 8 de Março foi instituído como o Dia Internacional da Mulher. Essa é uma data para reflexão de homens e mulheres sobre suas práticas e discursos enquanto cidadãos(ãs), na construção diária do social que objetive a convivência cordial, tolerante e respeitosa, mesmo que permeada por conflitos. Ao ser retomada a data, não se trata de desejar repetir o passado, mas talvez ainda de realizar muitas de suas esperanças.

Em Uberlândia é significativa a defasagem de creches/Emeis que viabilizem o exercício profissional de mulheres (e homens), como direito constitucional e previsto nos Direitos Humanos. Ainda cabe a muitas delas, graças a não distribuição das tarefas de modo generalizado e devido as construções desiguais de gênero, a tripla jornada, acumulando afazeres domésticos e o cuidado com os (as) filhos(as). E essa responsabilidade deve ser familiar, da sociedade e do Estado. Como mencionar autonomia/empoderamento sem garantias que não sejam meramente formais? Na política, apesar de serem a maior parte da população, das eleitoras e as “tarefeiras”, os cargos de poder e decisão não são proporcionalmente ocupados por elas. Na área de saúde, há o desafio de fazer funcionar o fluxo de atendimentos no trato de casos de violência sexual, de acordo com normativas do Ministério e atuação adequada nos casos de estupros com previsão de abortamento legal.

Outro aspecto de destaque está no alto índice de violência conjugal, familiar e de gênero, onde a demanda, predominantemente feminina, ainda é sujeita a infraestrutura e recursos humanos insuficientes por parte de profissionais que atendem e podem aperfeiçoar formação permanente. E na rede de apoio à violência conjugal e doméstica, abordagens que superem o retrabalho, a revitimização com “rota crítica” e/ou violência institucional. 
Apesar de avanços, verifica-se objetificação feminina em campanhas publicitárias e por meio de assédios e abusos sexuais em espaços variados: ruas, transportes públicos, ou em festas de universidades, faculdades como algo que se precisa de basta.

A ONG SOS Mulher e Família, que completa 22 anos em março e tem sido premiada por Excelência Cidadã e centro de referência pela formação continuada e cuidado profissional de sua equipe interdisciplinar de atendimento, primando por processo seletivo qualificado de seu pessoal, constituição de políticas públicas locais, nacionais e juntamente com seus programas tem atendido, de modo continuado, uma média de 1.800 casos ao ano que vivem violências físicas, sexuais, emocionais/psicológicas e patrimoniais. E não sem dificultadores. Em Uberlândia, ainda não foi criado o Juizado Especial Criminal e Civil, como prevê a Lei Maria da Penha (11.340 de 2006) para operacionalizá-la adequadamente. O Plano Municipal de Educação de Uberlândia e de várias cidades, assim como a relevante Lei do Feminicídio (2015) sucumbiram às pressões retrógradas de bancadas religiosas (no Estado que deve ser laico) que distorcem anos de pesquisas e propõem retirada da terminologia “gênero” que incorpora a diversidade de femininos, com vistas a inclusão e promoção de mulheres e relações de gênero. Os efeitos são intolerâncias e violências. Pode haver ainda maior visibilidade e articulação em rede, seminário regional e nacional sobre o tema, acerca do programa Casa Abrigo Travessia que abriga mulheres e filhos(as) menores de idade em risco pela violência doméstica (Sedest/PMU/Icasu). A ONG necessita também de sede própria e alcançar sustentabilidade com a parceria mais efetiva junto aos setores público, privado e da sociedade civil. É preciso estarmos atentas(os) para fazer prevalecer e avançar direitos, políticas públicas cotidianas, com destinação de recursos humanos e financeiros.

Nesse ano, para mês do Dia Internacional das Mulheres a SOS Mulher e Família participará de ações educativas, preventivas em escolas, universidades, empresas, com destaque para o dia 22/03, às 20h, em comemoração aos seus 22 anos, a ONG promove Show beneficente “Mulheres em Todos os Cantos”, no Teatro de Bolso Do Mercado Municipal de Uberlândia, com participação de renomados(as) cantores(as)-musicistas. Todos os eventos com distribuição do folder de como buscar ajuda, venda beneficente de camisetas da Campanha #Lugar de Mulher é Onde Ela Quiser, com essa frase e outras para vestir a causa. Para essas ações conta-se com o apoio do Núcleo de Estudos de Gênero/UFU e do Conselho Direitos Mulheres/CMDM e de outros parceiros.

Por tudo isso, espera-se que nas atividades do comemorar, termo que significa trazer à memória, haja ações para além de festividades, homenagens, premiações, ou uso mercadológico do momento. E que os eventos sejam acompanhados de proposições no que tange à criação, ampliação e fiscalização de políticas públicas governamentais, não-governamentais e de fomento de projetos de lei que oportunizem mudanças de atitudes de homens e mulheres, com vistas a novas experiências, representações sociais que rompam com dicotomias de gênero e processos de violências, desigualdades e sofrimentos.

Assim, quem sabe, no futuro, a referida data seja desnecessária e apenas referência acerca de curiosidades do séc. XXI.
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