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04/12/2018 às 11h24min - Atualizada em 04/12/2018 às 11h24min

O mundo da leitura

FERNANDO LOPES | JORNALISTA E MESTRE EM ESTUDOS LITERÁRIOS
Ele estava com o olhar assustado, o semblante aflito. O menino de aproximadamente cinco anos de idade corria pelo corredor e à sua volta só via estantes de livros, cercando-o por todos os lados. Foi então que, por um instante, ele interrompeu a maratona, recuperou o fôlego e soltou um grito: “Mãe!”, esperando que a palavra alcançasse os pontos que seus olhos não conseguiam ver.

Aquele grito rompeu o sossego de um local reservado para leituras silenciosas, onde não são permitidas as intempéries vocais. Pouco antes que o garoto empreendesse a diligência em busca da sua mãe perdida entre revistas, livros e CDs, eu me lembro dele sentado nos degraus do Sebo em que eu estava à procura de alguns vinis.

Enquanto a mãe do menino andava por entre as estantes procurando avidamente por algum livro perdido, o garoto folheava um gibi antológico, com as mãos seguras e o olhar convicto de quem encontrara naquelas páginas um grande feito. Talvez, a surpresa reservada naquela leitura fora de hora estivesse escondida por entre as palavras que ele recentemente aprendera a soletrar. Ou, quem sabe, o menino apenas examinava as imagens ao dedilhar as páginas e construía em sua imaginação alguma narrativa mirabolante, a contragosto do autor que um dia criara aquela história com esmero.

Decerto, ao invés do menino, era eu quem construía narrativas estapafúrdias sobre o leitor mirim que, entretido com um gibi, nem notou a minha presença no Sebo, tampouco viu os demais que ali transitavam. Fiquei a pensar: onde estavam os olhares atentos dos leitores, que ali trafegavam, que não ficaram persuadidos com a elegância daquele garoto na companhia do seu gibi?

Para os hábeis leitores, cada livro remete a um convite fugaz. Como é difícil ceder ao primeiro ímpeto de ler uma obra, quando se tem vários títulos para explorar. Por certo, os pensamentos daquele menino já haviam cedido aos encantos por detrás de cada página e, após embarcar na viagem, ele possivelmente perdera a noção do tempo e do espaço, retido nas armadilhas da própria imaginação.

Em outras palavras, ler é também desligar-se de um mundo que já não surpreende, é ser fisgado por escolha e por prazer. Então, ao deitar-se na cama depois de um dia cansativo, você guarda as dores e as ansiedades diárias na mesma gaveta em que retira o livro que elegeu para entregar seus pensamentos. Se a história o surpreende ou o emociona, espera-se perder naquelas páginas, na melhor das hipóteses.

O problema de todo bom livro é que, em algum momento, a leitura cessa. E daí você se pergunta: onde estou e o que preciso fazer? Se a história o transportou para um lugar agradável, perdura um sentimento de luto. Não é fácil despedir-se de um personagem que lhe foi caro, com quem você dividiu intimidades por um bom tempo. E você volta para a realidade, que também lhe é cara, como quem voltou de uma boa viagem, mas precisa retomar o cotidiano.

Certamente ao despedir-se do gibi que tanto o encantara, aquele garoto pressentiu a falta da mãe e deparou-se com um mundo desconhecido, que ele solenemente descartara em favor da leitura. Após empreender buscas vertiginosas pelas estantes repletas de outras histórias, finalmente a mãe do menino o encontrou. Ela abraçou o garoto ainda de costas, enlaçou as mãos em seu peito e, para sua surpresa, disse: “Te achei! Vem aqui, rapazinho”.

Ele, imediatamente, saltou em direção ao colo da mãe. Retribuiu o abraço e, um tanto envergonhado, escondeu o rosto entre os cabelos da protetora até sair do Sebo. Sorte se todo leitor saísse das páginas de um livro para um porto real e tão seguro quanto aquele colo.

O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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