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28/10/2018 às 10h00min - Atualizada em 28/10/2018 às 10h00min

​É preciso aceitar o resultado

ALEXANDRE HENRY

Sim, falo de política. E não: não escrevo já sabendo do resultado das eleições. Mas, pelas pesquisas, há grande chance de Bolsonaro ser eleito o novo presidente do Brasil. De toda forma, como vimos algumas mudanças bruscas no humor do eleitor no 1º turno, também é possível – embora pouco provável – que ocorra uma virada de Haddad. Não importa. O que vou dizer vale para qualquer caso.

Em momentos como o que estamos vivendo, de polarizações extremas e frustrações às vezes gigantescas, gosto de relembrar uma propriedade humana que nem todos têm, mas que é essencial para ser feliz: a resiliência. Lá no dicionário, essa palavra é definida como a “capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças”. Penso em uma tia da minha esposa quando a ideia de resiliência me vem à mente. Ela teve e tem toda sorte de problemas que você pode imaginar na vida, desde um casamento que foi complicado, depois a perda do marido por câncer, dificuldades financeiras constantes, problemas com entorpecentes na família, pais e irmãos acamados por décadas aos cuidados quase que exclusivos dela, uma doença renal crônica que a levou recentemente a um transplante seguido de rejeição do órgão e à necessidade de um futuro novo transplante, agora um glaucoma violento e por aí vai. Mas, se quiser saber mesmo o significado de resiliência, tome-a como exemplo. Sempre que a encontro, está sorrindo. Sempre lutando, sempre tomando paulada da vida, mas sempre acordando para um novo dia com energia para enfrentar os problemas gigantescos que tem. Não me lembro de vê-la reclamando ou se lamentando, sinceramente.

Voltemos para a política. Joshua Cooper Ramo escreve em seu livro “A era do inconcebível” que, “depois que um sistema é golpeado por uma perturbação e sofre graves danos, é dificílimo devolvê-lo a seu estado anterior; em geral é impossível. Os cientistas dão a esse fenômeno o nome de ‘histerese’, do grego hysterein, que significa ‘demasiado tarde’ – ou seja, quando um sistema se deteriora dessa forma é demasiado tarde para repará-lo. O que aconteceu aos bancos de investimentos nos Estados Unidos em meados de 2008 foi uma deterioração desse tipo. Nem uma só daquelas empresas, por abarrotadas de dinheiro que estivessem, teve resiliência suficiente para curvar-se sob a força do choque financeiro repentino que sofreram”. O autor, porém, ressalta: “Não obstante, num grau que é quase inimaginável até vermos isso acontecer, a resiliência real de vez em quando consegue converter em trunfo o que de início parecia ser um desastre. Você se lembra de que Farkash descobriu que alguns terroristas sobrevivem por serem capazes de se adaptar sobre pressão? Eles obtêm êxito porque evoluem mesmo diante do inesperado. Os melhores sistemas resilientes são assim. Não apenas se curvam e voltam ao estado inicial: conseguem ficar mais fortes por causa da tensão. Captam o que há de bom em avalanches de mudanças sem permitir que as coisas más acabem com eles”.

Tirando o exemplo dos terroristas, que não foi dos mais felizes, a fala desse autor é muito importante para os dias atuais. O resultado da eleição de hoje vai ser amargo para pelo menos 40% da população, não importa o vencedor. E esses 40% verão o futuro como sombrio, como se o país fosse desabar nos próximos anos.

Bom, em primeiro lugar, é preciso ter esperança. Sem esperança, não há quem consiga exercitar a resiliência. Para quem não tiver seu candidato como vencedor, a segunda-feira poderá até ser sombria, mas é preciso seguir em frente. De início, aceitando que estamos em uma democracia e que o presidente eleito deve ser respeitado. Barack Obama, após a vitória de Trump, fez um dos discursos mais lúcidos que já vi. Procure na internet e você terá a mesma opinião, tenho certeza. Por outro lado, por mais que eleitores de Bolsonaro e de Haddad temam, a vitória de um deles não levará o país a virar uma Venezuela ou uma ditadura no curto prazo (nem sei se no longo também, dada a relativa maturidade de nossas instituições). Logo, há tempo para que os derrotados, com muita resiliência, aceitem o resultado das eleições e, dentro das regras democráticas, trabalhem por meio dos mecanismos de participação popular direta e indireta para que não cheguemos a uma “histerese”. Há tempo para isso, se há. Mas, para que isso ocorra, precisamos de cabeça fria, pensamento claro e a resiliência impressionante que algumas pessoas, como a tia da minha esposa, demonstram ter dia após dia, mesmo com as piores adversidades.
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