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27/08/2018 às 10h36min - Atualizada em 27/08/2018 às 10h36min

O analista de comportamento

ALEXANDRE HENRY | JUIZ FEDERAL E ESCRITOR
“Eu tenho a mente muito racional, muito 2+2=4, então não entendo por que uma pessoa reclama tanto da outra e não dá um jeito na situação”
 
Eu não fiz psicologia, mas adoro ver programas e ler textos sobre o comportamento humano. A minha curiosidade é muito ligada às intenções de cada gesto, daquele sorriso, das palavras proferidas com intenções diversas das que aparentam, enfim, eu tento entender um pouco mais do outro a partir do que ele fala e de como age. Claro, todo mundo faz isso, mas acho que eu faço com um pouco mais de detalhamento. Um dos prazeres que tenho com essa mania minha é identificar padrões de comportamento similares entre as pessoas.

Pois um desses padrões sempre me pareceu relativamente fácil de identificar, mas ainda não consegui ir além e descobrir o que faz a pessoa agir daquele jeito. Falo das pessoas que criticam o cônjuge, criticam inclusive de forma pública, especialmente em redes sociais, mas ao mesmo tempo mantêm um comportamento totalmente inverso em outros momentos, quase que idolatrando a esposa ou marido. Se você é psicólogo, provavelmente sabe o nome desse “jeito de ser”. Eu ainda não descobri.

Vamos aos fatos. Conheço duas pessoas praticamente iguais nesse ponto, ambas mulheres (não que o problema não afete homens também). A primeira delas vive uma relação conflituosa com o marido há uns vinte anos, pelo menos, desde quando eram namorados. Se você conhecesse o sujeito, veria que ele é daquele tipo que realmente não vale muita coisa. Já humilhou a esposa inúmeras vezes, faz e apronta, é insensível, grosso, estúpido, etc. Até onde sei, não bate nela – ele não é tão ruim a esse ponto. Ela, por sua vez, não é dessas passivas como se vê por aí. Enfrenta o marido verbalmente, é desbocada, fala o que vem à cabeça, enfim, ela até que se defende bem quando é preciso. Apesar de não morar perto deles, sempre fico sabendo que as coisas não estão bem pelas postagens dela. Sabe aquelas indiretas em redes sociais? Aqueles textos que têm um destinatário certo, mas que são mostrados ao público em geral? Ela é especialista neles. Vira e mexe, está lá um textão reclamando das agruras dos relacionamentos, da insensibilidade dos companheiros (sem dar nomes, é claro), disso, daquilo, daquilo outro... No começo, eu até me comovia um pouco. Mas, o grande problema é que sempre sucediam esses textos outros que elogiavam o marido, que o colocavam na posição de bom pai, de excelente companheiro e outros elogios totalmente desconexos da postagem anterior.

Esse é um comportamento muito recorrente não só dessa pessoa, mas também de várias outras que conheço. A segunda tem o mesmo padrão de “texto desabafo” seguido de “texto elogio” em redes sociais. Quando leio algum deles, e faço isso com frequência, sinto aquela sensação estranha de autoflagelação: eu não quero mais acompanhar as manifestações públicas de tal ser humano, pois aquilo dá preguiça, é chato e só me faz perder tempo, mas acaba sendo algo que não consigo deixar de ler, na busca por compreender como alguém consegue ir a extremos tão rapidamente. Que falta que me faz uma faculdade de psicologia!

Eu te pergunto: você conhece alguém assim? Provavelmente. Não é um comportamento intrigante? Eu tenho a mente muito racional, muito 2+2=4, então não entendo por que uma pessoa reclama tanto da outra e não dá um jeito na situação. Ora, se você escreveu um texto hoje falando que o sujeito é um crápula, uma porcaria de ser humano, aproveite o seu direito previsto no art. 226, § 6º, da Constituição (§ 6º O casamento pode ser dissolvido pelo divórcio) e vá ser feliz em outros lençóis. Sim, eu sei, você tem esperanças dele mudar. É justamente por tal razão que aceitei bem esse seu comportamento bipolar por três ou quatro vezes seguidas. Mas, já estamos na 37ª vez que você diz que ele não presta e depois diz que ele é o melhor marido do mundo. Já deu, né?

A minha vontade é chegar e dizer para a pessoa parar de publicar essas coisas, porque pega mal. Mostra, a meu ver, uma fraqueza de personalidade, uma incapacidade de sair de uma situação que, ausente qualquer ameaça da outra parte, poderia ficar para trás facilmente, inclusive com o apoio de amigos e familiares. Mas, as minhas análises do comportamento humano já me disseram que não dá para dar conselhos assim. Primeiro, porque não foi pedido. Segundo, porque, quando é pedido, dá errado. Uma vez, uma delas me perguntou sobre questões ligadas ao divórcio. Respondi. Uma semana depois, ela estava na fase “amor, meu grande amor” e o marido me mandou uma mensagem reclamando dos meus conselhos. Depois dessa, continuei nesse meu prazer mórbido de analisar o comportamento de pessoas estranhas. Mas, limitei meu próprio comportamento apenas à análise, sem qualquer tipo de interferência.
 
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