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13/08/2018 às 11h54min - Atualizada em 13/08/2018 às 11h54min

Os receptadores

ALEXANDRE HENRY | JUÍZ FEDERAL E ESCRITOR
Nesta semana, vi uma reportagem sobre a grande quantidade de roubos de pneus de caminhões. Os ataques ocorrem principalmente nos postos de combustíveis das estradas brasileiras, sendo os motoristas abordados, rendidos e, na sequência, retirados todos os pneus do caminhão. O prejuízo é enorme, pois se trata de algo caro, além de atrasar a entrega da carga e, claro, traumatizar muitos motoristas.

Embora esse tipo de crime pareça um absurdo, ele não é novo. Quando eu fazia faculdade na UFU, há muitos anos, encontrei uma vez o carro de um dos alunos sem as quatro rodas, pois haviam furtado tudo enquanto estávamos na aula. Agora, se você acha ridículo o fato de vivermos em um país no qual até isso é levado pelos ladrões, prepare-se para essa: na década de 1990, furtaram o para-brisa do meu carro! Era por volta das nove e meia da noite, eu tinha deixado meu carro estacionado na porta de casa e, quando fui sair com ele novamente, notei algo estranho, mas só caiu a minha ficha quando entrei no carro. Os bandidos sabiam que o modelo do meu veículo permitia um furto rápido e fácil, pois bastava cortar por fora a borracha que prendia o para-brisa e ele saía inteiro.

O grande problema disso tudo é o que um Policial Rodoviário Federal falou na reportagem sobre os roubos de pneus de caminhão: sempre haverá esse tipo de crime enquanto houver quem compre mercadoria proveniente de furtos e roubos. Como o Brasil vive uma crise moral desde que foi inventado, há mais de cinco séculos, a situação é gravíssima. O que mais tem é gente que reclama da bandidagem, mas não perde a oportunidade de fazer um “bom negócio” comprando mercadorias usadas a preços baixíssimos, fingindo não saber que aquilo certamente é produto de crime.

Bom, deixa só eu dar um aviso. No nosso Código Penal, há um artigo (180) que prevê o crime de receptação. Dá só uma olhada na redação dele: “Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”. Assim, se você compra um pneu de caminhão que sabe que foi objeto de um roubo, você também passa a ser um criminoso e pode responder por receptação.

Já sei o que você vai me dizer: “Mas não tem como provar que eu sabia que a mercadoria era roubada!”. Não é isso que você pensou? Pois o nosso Código Penal também preparou um presentinho para você. Nesse mesmo art. 180, existe a seguinte previsão: “§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas”. E o Código ainda complementa: “§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”.

Deixe-me traduzir o que isso significa, para que não restem dúvidas. Se você compra um conjunto de pneu mais roda de caminhão, usado, que está em excelente estado e é oferecido por um preço muito baixo, especialmente no caso do vendedor ser de reputação duvidosa, você comete o crime de receptação. Não dá para dar uma de Joãozinho-Sem-Braço, pois é óbvio que ninguém vende um produto desses por um quarto do preço que ele vale, por exemplo. E se o pneu estiver sendo vendido em uma borracharia daquelas de beira de estrada, que não tem caixa nem para pagar a conta de energia, aí é que você não tem desculpa mesmo. Também não tem desculpa quando compra de um menor de idade ou compra de vendedor desconhecido na internet. O que interessa é o fato de você comprar uma mercadoria por um preço e em condições que deixem claro que há uma grande chance daquilo ser fruto de um crime.

Enfim, talvez você seja mais do que um malandro esperto. É possível que, ao ter essa mania de comprar mercadorias usadas a preços baixos e com origem duvidosa, você seja um criminoso. Aliás, tão criminoso quanto o sujeito que vai lá e coloca o revólver na cabeça do motorista de caminhão, pois esse assalto só acontece porque quem o faz tem a segurança de que encontrará outro bandido para comprar o produto que ele roubar. Por isso, pense no que você está fazendo quando for atrás daquela pechincha usada, especialmente na internet e em aplicativos de compra e venda. Além de alimentar o mundo do crime, você estará – efetivamente – fazendo parte dele. Um dia, a casa cai.

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