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23/04/2018 às 15h17min - Atualizada em 23/04/2018 às 15h17min

A torcida por Davi

ALEXANDRE HENRY | COLUNISTA

O nome dele é Yuki Kawauchi e, uma semana depois do seu feito extraordinário, a maioria dos mortais já o conhece. Yuki é o japonês que venceu a Maratona de Boston há poucos dias, uma das provas mais tradicionais da categoria. Por que ele ficou famoso? Bom, vencer essa maratona já seria um motivo, mas se você é um japonês amador, que não corre profissionalmente, que não tem patrocínio, não treina como um atleta de ponta e trabalha como funcionário público em uma escola no Japão, então é natural que você vire celebridade de um dia para o outro, após essa vitória absolutamente inesperada.

As pessoas gostam de histórias assim, tanto que uma das passagens mais famosas da Bíblia, narrada no primeiro livro de Samuel, é a de Davi contra Golias. Davi, jovem e franzino, sem uma espada e uma couraça para se defender, derrotou o maior dos guerreiros filisteus, que tinha quase três metros de altura. Seu feito biblicamente narrado é a representação maior da vitória do mais fraco contra o mais forte.

Gostamos disso porque, em geral, a maioria das pessoas não possui os predicados de um Golias e, trazendo a reflexão para os dias de hoje novamente, nem de um corredor queniano forjado para vencer maratonas. Quando nós testemunhamos um feito como o de Yuki, algo extremamente raro, nós nos damos conta de que, apesar da raridade, algo assim é possível, conclusão que enche a alma de cada comum mortal com um bem muito precioso: a esperança. Se Yuki, aquele japonês amador e esquisito como eu, conseguiu vencer a Maratona de Boston, derrotando os maiores campeões do planeta, por que eu não posso vencer também os meus desafios?

Nesse pensamento, a gente não apenas se enche de esperança, mas também segue torcendo para os vários Davis que há pelo mundo. Quando um time pequeno sobe na tabela do campeonato e ameaça os grandões, por exemplo, a gente vai ao delírio e passar a ser torcedor dele de carteirinha, como aconteceu com o Leicester City, time pequeno que venceu o dificílimo campeonato inglês de 2015/2016. Quando o menino sem recursos do nosso bairro passa no vestibular de medicina nas primeiras colocações, também nos tornamos fãs dele instantaneamente. Como eu disse, histórias assim enchem de esperança a alma de quem, pelas regras normais do jogo da vida, não teria muita chance de estar entre os vencedores.

Não há nada de errado nesse sentimento, claro. É muito legal acompanhar essas histórias de vitórias daqueles que, aparentemente, não tinham chance alguma. Eu gosto, confesso. Também torço para o mais fraco em muitos casos.

O que não dá para ignorar, porém, é que histórias como as de Yuki ou de Davi são raras justamente porque a competição – e a vida é, em si, uma grande competição em todos os campos – leva à vitória aqueles que se prepararam de forma árdua e dedicada durante muito tempo. Claro, em algumas situações, como no caso da aprovação em um vestibular, conta muito ter tido uma boa estrutura por trás. Mas, isso não tira o mérito dos vencedores habituais em quase todas as competições da vida, já que, na maioria esmagadora delas, vence quem derramou muito suor e lágrimas antes, não quem, por um golpe de sorte ou de astúcia, foi lá e levou o prêmio maior, sem ter treinado de forma tão sofrida quanto os demais.

Enfim, torcemos para o mais fraco, mas o fato é que a justiça, quase sempre, está na vitória dos vencedores habituais, dos quenianos que treinam incansavelmente ou dos times de futebol que formam um elenco com jogadores altamente dedicados e capacitados. Essa é a realidade. Claro, realidade que não nos impede de continuar nos deleitando com histórias inusitadas de gente, aparentemente como a gente, que vence a Maratona de Boston. Dá-lhe Yuki!
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