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12/12/2017 às 17h31min - Atualizada em 12/12/2017 às 17h31min

A Constituição versus o Supremo Tribunal

DOORGAL BORGES DE ANDRADA* | LEITOR DO DIÁRIO

Nestes últimos meses temos ouvido preocupações de advogados, juristas, doutores, juízes e professores de direito reclamando dos rumos de algumas decisões do STF.

Queixam-se, por exemplo, que ministros afirmam que um aborto simples, realizado até o terceiro mês de gravidez, não é crime, enquanto a lei, ao revés, diz que o aborto é crime; e que, mesmo sem haver uma mudança com alteração legislativa - como aconteceu nos países que passaram a validar o casamento entre pessoas do mesmo sexo - o STF decidiu que casamento é a união entre homem-mulher, homem-homem e mulher-mulher, enquanto a CF-88 diz com clareza no art. 226 que casamento “é a união estável entre o homem e a mulher”.

Não se trata de discutir qual seria a melhor opção legislativa, ou se devemos ser favoráveis ou contra qualquer das correntes e suas teses. Pouco importa. A questão é jurídica, pois nas democracias o poder judiciário tem que julgar conforme as leis. Fora da lei vive-se o caos.

Reclamam que a ideia de as autoridades poderem impor suas vontades sem precisar respeitar as leis, alegando possuir suposta visão messiânica a alcançar o “progresso social”, é típica de regimes autoritários não republicanos.

Nos alertam, com fortes queixas, que no mundo jurídico a “coisa julgada e o ato jurídico perfeito” são garantias fundamentais, tendo o STF, porém, decidido o contrário, que a punição prevista na Lei da Ficha Limpa de 2010 deve retroagir no tempo, contrariando a regra da não-retroatividade das leis, sobretudo das leis que punem ou  retiram direitos.

Relembram, assustados, que a Corte decidiu que o réu tecnicamente inocente pode ser preso sem uma condenação final, bastando a condenação provisória no 2º grau, antes de esgotada toda sua defesa que poderá levá-lo à absolvição, ferindo o preceito universal da presunção da inocência.

Eles já começam admitir e imaginar que ante a TV Justiça parece que alguns membros da Corte estariam a optar por receber aplausos da mídia, evitando aplicar a lei quando esta lhe traz impopularidade, proferindo votos que soam como discursos políticos, em detrimento de decisões fundamentadas.

Insistem em dizer que a CF prevê que, após abertura de uma ação penal contra parlamentar, o Legislativo poderá sustá-la – apenas pelo tempo do mandato, e também a prisão em flagrante por crime inafiançável, e, em analogia, sustar as medidas penais cautelares pois são acessórias, são medidas secundárias dependentes da ação penal e/ou prisão. Porém, uma das Turmas do STF decidiu aplicar a suspensão de mandato parlamentar sem ouvir a casa Legislativa.

Eles nos ensinam: pouco importa quem é o parlamentar. Mandato não se confunde com concurso público, nem com contrato de trabalho, não é cargo de confiança, nem emprego ou função pública, pois deriva da manifestação maior da nação, do voto soberano, secreto e universal em que são eleitos, e o Parlamento, o Legislativo, assim como o Judiciário, não são as suas pessoas, mas  pilares da democracia.

Assim diz a CF/88 : "Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. § 1.º (...) § 2.º- Desde a expedição do diploma (...) não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.  § 3º - Recebida a denúncia (...) por crime ocorrido após a diplomação, o S.T.F. dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação."  

Ressaltam: apenas nas ditaduras de esquerda ou de direita existe a suspensão ou o impedimento do exercício do mandato.

Chegam a supor que a Alta Corte às vezes parece estar a manejar um poder Constituinte - ilimitado - e isso sugere a visualização da ponta de um viés autoritário, como que se proclamar acima da Constituição.

Descrentes, muitos afirmam inexistir Estado Democrático de Direito quando autoridades judiciais entendem não precisar se submeter à lei.

Até lançam graves desafios: e se todos os juízes resolverem seguir o exemplo de alguns membros do STF e passarem a ignorar os textos legais para impor suas vontades pessoais nos julgamentos?

De fato, é preferível “ser um escravo das leis do que escravo dos homens”.

(*) Desembargador e ex-ouvidor do TJMG, ex-presidente da AMAGIS

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