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30/07/2023 às 11h00min - Atualizada em 30/07/2023 às 11h00min

Movimento Hip-Hop promove manifestações artísticas e inclusão social em Uberlândia

Exposição cultural na cidade homenageia marco histórico da cena, que completa 40 anos no Brasil

IGOR MARTINS I DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Mostra "A linguagem da cultura Hip-Hop" pode ser visitada até o dia 1° de agosto I Foto: Danilo Henriques/Secom/PMU

Há quase 50 anos, no dia 11 de agosto de 1973, o Hip-Hop nascia durante uma festa em Nova Iorque, nos Estados Unidos. A cultura, que despontou no Brasil nas periferias de São Paulo ao longo dos anos 80, também conquistou seu espaço em Uberlândia através de elementos, incluindo o graffiti, o rap e o break, além dos DJs e MCs, que hoje fazem parte da cena artística local e ajudam a levar o estilo para outras partes da cidade.
 
Em um ano de comemorações do movimento, o Diário conversou com agentes culturais da região que têm no Hip-Hop mais do que um trabalho ou um mero hobby, mas um jeito de levar a vida por meio dos mais variados tipos de arte e manifestações presentes nessa forma de expressão.
 
DJ e produtor musical Mamede Aref lembra da primeira vez que teve contato com o Hip-Hop na vida. Foi em 1983, através de um filme a partir do qual o uberlandense conheceu vertentes musicais e culturais do movimento, por meio do funk music e soul. Aos 54 anos, o artista destaca que alguns tipos de produção mudaram e outras manifestações surgiram com o passar do tempo, mas a essência do Hip-Hop como movimento político e cultural permanece praticamente igual, mesmo após tantos anos de transformações. A força do movimento, sobretudo nas periferias, segue movimentando a cena artística e colocando o estilo nos holofotes.


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"A cultura do Hip-Hop sempre esteve presente, mas antigamente era mais voltado para o rap e o break dance. Existia uma cultura Hip-Hop regional em Uberlândia, Araguari, Uberaba, Ituiutaba, Nova Ponte, Monte Carmelo. Existia uma consciência de rua, um talento nas ruas. Essa cultura sempre foi viva e a gente fazia o que gostava. O Hip-Hop é isso, sempre foi essa participação social, essa coisa de ajudar e sempre dar uma ideia boa de manifestação artística. A gente começou a levar esse estilo para frente e aí teve um boom no mundo inteiro", disse.

 
Ainda de acordo com Aref, elementos que hoje são primordiais na alavancagem do Hip-Hop não existiam quando o movimento chegou a Uberlândia. No início, o estilo tinha uma limitação no âmbito da música e da dança, especialmente através do break. Com o tempo, o graffiti foi uma das manifestações que mais ganhou espaço na cidade, sendo até mesmo apoiado por ações municipais pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SMCT), que promove o Dia do Graffiti e encoraja intervenções artísticas em certos pontos do município.
 
"A cultura do Hip-Hop engatinhou nessa questão do grafite. Antigamente havia uma explicação que eles marcavam o território porque eram de gangues, mas hoje é uma intervenção artística. Com o tempo, os desenhos foram ficando diferentes, com os traços mais coloridos. Hoje, temos uma mensagem de paz, de união. É interessante notar que tudo foi modificando naturalmente e realmente mostrando qual é a cara e o verdadeiro objetivo da cultura Hip-Hop, que é de paz", explicou o DJ.

ARTE PERIFÉRICA
Assim como aconteceu com o DJ Mamede, a pedagoga Preta em Flor também teve o primeiro contato com o mundo Hip-Hop pela música. Quando adolescente, vivendo em uma região periférica de Uberlândia, ela ouvia músicas de rap e passou a integrar o movimento. Em entrevista ao Diário, ela lembra que foi em 2018 que passou a compreender de vez a importância do estilo como agente cultural transformador em regiões de vulnerabilidade social e econômica.
 
Preta atualmente é curadora do projeto Jardim Urbano, criado durante a pandemia, juntamente com outros nomes importantes do cenário do Hip-Hop uberlandense, como Dequete. A ação começou na avenida Olímpio de Freitas e já se estendeu por outras regiões de Uberlândia.
 
O principal trabalho desenvolvido é chamado de "Beco do Planalto". O espaço é um grande corredor de muros que, para a alegria da comunidade local, abandonou o cinza e partiu para as mais variadas cores e artes em graffiti de artistas locais. A ideia é realmente ser uma galeria a céu aberto. Outra iniciativa desenvolvida por Preta é o "Reduto Negro", realizado no bairro Patrimônio.
 

"O nome 'Preta em Flor' vem disso, por todas as ações que tento desenvolver e por não me envolver a um único elemento do Hip-Hop, considero a minha tentativa de produção muito polinizadora, uma tentativa de florescer outras coisas. As habilidades são múltiplas. A proposta é polinizar ideias e construir ações que somem a essa cultura, de serem ações coletivas que sabem de onde vêm, de sua origem, que entendem sua cultura Hip-Hop essencialmente negra e periférica, com engajamento social e político. Muitas ações têm ganhado notoriedade e ver pessoas homenageadas e visibilizadas é muito simbólico e uma grande conquista", detalhou.

 
Vindo de uma geração mais nova do que a de Mamede Aref, Preta em Flor acredita em um quinto elemento essencial na cultura Hip-Hop. Além dos DJs e MCs, do break e do graffiti, o conhecimento que articula o movimento também é fundamental para promover o Hip-Hop nos centros urbanos.
 
"Em meados dos anos 2018, eu já era jovem adulta, e tive o entendimento com o contato que eu tive com agentes que vivenciam a cultura Hip-Hop em outros espaços do país, nas capitais, nas grandes metrópoles que traziam bagagens mais articuladoras. O meu encanto com a cultura Hip-Hop aconteceu em 2019, quando comecei a vivenciar movimentos de mutirão que agregavam esses elementos e promoviam na comunidade uma festividade nas comunidades, como acontece em Taboão da Serra (SP)", contou.

 

BATALHA DE RIMAS
A jovem R Jay, de 24 anos, é outra figura importante para o movimento Hip-Hop uberlandense. Criadora da batalha de rimas da cidade, o "Coreto 034", ela conta que a cultura é parte fundamental da vida dela. O primeiro contato veio logo com oito anos de idade, quando seu melhor amigo apresentou músicas de rap internacionais. De cara, ela se apaixonou pela sonoridade. "Eu queria dançar break de qualquer jeito, me apaixonei pelas roupas e pelo estilo", disse.
 
Na adolescência, ela começou a acompanhar as batalhas de rima pela internet e treinava em casa sozinha ou com os amigos. Anos depois, surgiu o Coreto 034, que movimenta milhares de pessoas todos os anos e tem como objetivo engajar e alavancar a cultura do Hip-Hop em Uberlândia e região.
 

"O Hip-Hop é muito mais do que só um estilo ou um gosto, é uma forma de viver, de lutar, de identidade. Essa cultura salvou a minha vida. É importante demais para mim como ser humano, o Hip-Hop me educou, me deu valores e uma vida que eu nem poderia imaginar. É o ar que eu respiro, essa cultura dá sentido à vida de muitos de nós", afirma R Jay.

 
O projeto, que surgiu em 2017, também atua com a solidariedade. “Por meio da rima, do rap, a gente conseguiu unir muitas pessoas, tratar questões sociais, questões individuais, fizemos ações de arrecadação de um monte de coisa, de livro, de alimento, de tudo. A gente sempre teve muito um sentimento de família”, revela.
 
EXPOSIÇÃO
A abrangência e a importância do movimento em Uberlândia ganharam espaço na exposição "A linguagem da cultura Hip-Hop", que pode ser visitada até o dia 1° de agosto, no Centro Municipal de Cultura. O acervo traz pinturas, cenas grafitadas, trechos de poesias cantadas do rap, vinis e outras linguagens que retratam os quatro elementos da cultura, incluindo o DJ, o rap, o break e o graffiti.
 
Dentre os artistas que participaram do trabalho, estão o DJ Mamede Aref, Preta em Flor, Geleia, Kali, Dequete, Kim, Neguela e Balé de Rua. Para a diretora de Igualdade Racial da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (SMCT), Pollyanna Fabrini, além de homenagear a história do Hip-Hop, a exposição reflete as expressões locais.
 
“Os artistas da nossa região são referências para o resgate da cena Hip-Hop de Uberlândia. E a exposição, com curadoria da Secretaria, com a participação da comunidade, celebra o cinquentenário deste movimento cultural e dá visibilidade à arte produzida aqui", disse.

 

A exposição vem em um momento importante para a cultura no Brasil. No dia 17 de julho, a comunidade do Hip-Hop se reuniu em Brasília para uma marcha de reconhecimento do movimento. Os participantes entregaram ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um dossiê que vai dar início ao processo para declarar o movimento patrimônio imaterial do país.
 
O documento foi preparado por grupos de trabalho dentro do movimento do hip hop no Brasil inteiro, com auxílio do instituto. “Este ano nós completamos 50 anos do hip hop no mundo. E, no Brasil, completamos 40 anos de hip hop”, disse Cláudia Maciel, jornalista e integrante do movimento.
 
A expressão Hip (quadril) e Hop (balançar) é uma gíria, conhecida pelos jovens do Hip-Hop, como balançar o quadril. O movimento foi criado pelas equipes de dança norte-americanas, com o objetivo de apaziguar as brigas e contrariedades frequentemente manifestadas pelos jovens agrupados em gangues.
 
O termo designa um conjunto cultural amplo que inclui música (rap), pintura (grafite) e dança (break). O rap, sigla derivada de "rhythm and poetry" (ritmo e poesia), é a música do movimento e constitui o seu elemento de maior destaque. MC é a sigla de "Mestre de Cerimônia". É ele que canta o rap e, na maioria das vezes, também compõe as letras.


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