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01/04/2023 às 13h00min - Atualizada em 01/04/2023 às 13h00min

Grafiteiros usam a arte urbana como chave para inclusão e transformação social, em Uberlândia

Diário conversou com artistas da cidade, que falaram sobre a cultura grafiteira e a marginalização da expressão artística

IGOR MARTINS | DIÁRIO DE UBERLÂNDIA
Com traços já conhecidos, Dequete é um dos grafiteiros mais conhecidos da cidade | Foto: Reprodução/Instagram

Comemorado anualmente em 27 de março, o Dia Mundial do Grafite celebra a importância de uma das manifestações artísticas mais comuns em meio às ruas e ao caos dos principais centros urbanos. Em Uberlândia, os grafiteiros lutam pelo reconhecimento da arte urbana como forma de expressão e transformação pessoal, uma ferramenta sempre ligada à inclusão social.

Um dos grafiteiros mais conhecidos da cidade, Dequete chegou a Uberlândia em meados de 2013 e pouco a pouco conquistou seu espaço no cenário artístico. Ele se formou em Artes, mas o trabalho que o belo-horizontino realiza nas ruas é diferente, apesar de o objetivo ser sempre o mesmo: atingir mentes e corações, seja através do grafite ou dos murais.
 

“Eu quero que o trabalho chegue até as pessoas, sou um arte-educador. Trabalho muito com a parte social, porque acredito que a arte é reflexo do social. Não tem como desassociar o trabalho do grafiteiro com a comunidade. O grafiteiro só precisa da rua para se expressar. A gente vê a parede, os muros e os concretos e pinta”, disse Dequete.


De acordo com o mineiro, Uberlândia tem um grande potencial a ser explorado quando se fala sobre arte urbana, mas o não reconhecimento do grafite e a marginalização da expressão artística ainda impede que a manifestação atinja mais pessoas em outras regiões da cidade. Na maioria das vezes, o grafite fica restrito às regiões mais periféricas do município.

Ligado fortemente com a cultura do hip hop e do break dance, Dequete falou ainda que a expansão urbana de Uberlândia e os muros de concreto permitem mais intervenções com o grafite, mesmo que nem todos sejam autorizados. O ponto central é dar um novo significado para a cidade, que não seja de separação.

“O homem intervém e coloca seus muros e suas paredes, que têm uma proposta de segregação e proteção. À medida que o grafiteiro faz sua intervenção, o muro não deixa de cumprir sua função, mas ganha um novo significado e é essa a grande chave do grafiteiro. Ele humaniza espaços que antes não tinham vida. A gente compõe poesias no concreto. É mais do que tinta na parede, para muitos é um propósito de vida”, falou. 

Ainda segundo Dequete, a realidade do grafite no Brasil é difícil, mas a situação melhorou bastante nos últimos anos. Apesar disso, ele acredita que ainda faltam políticas públicas para a juventude e maior incentivo ao grafite em Uberlândia. A arte urbana ainda tem um processo de demonização por parte da população, mas alguns espaços da cidade já são conhecidos pela expressão artística, como é o caso do Galpão, na avenida Floriano Peixoto.
 

“Nós queremos que o grafite passe pela população, sem hipocrisia e sem marginalizar ninguém. Grafite é conhecimento. Quando o jovem se envolve com a arte, o breaking dance e o rap, ele também começa a adquirir conhecimentos. Muita gente precisa de uma oportunidade. Não temos apoio, então fazemos tudo por conta própria. Não podemos ficar esperando”, explicou o arte-educador.


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JARDIM URBANO


Criado durante a pandemia de covid-19, o projeto Jardim Urbano surgiu através da demanda cultural de comunidades periféricas, nos bairros Jardim das Palmeiras, Canaã e Planalto. Com o isolamento social, os grafiteiros não conseguiam se encontrar para pintar muros em conjunto. A iniciativa é comandada pela pedagoga Preta em Flor, que conta com a ajuda de Dequete.
 

“Isso começou espontaneamente. O Dequete conseguiu um muro bem grande no Jardim das Palmeiras, para cada um pintar e fazer um coletivo. Uma criança chegou perguntando que projeto era aquele, e aquilo ecoou por toda a comunidade, percebemos que a comunidade estava demandando ações. Um muro que estava cinza ganhou cor. O pessoal quer ver cor, quer ver as coisas florirem. Foi assim que começou o Jardim Urbano”, revelou.


A ação começou na avenida Olímpio de Freitas e já se estendeu por outras regiões periféricas da cidade. O principal trabalho desenvolvido pelo Jardim Urbano é chamado de “Beco do Planalto”, localizado na rua da Costureira, no bairro Planalto. O espaço é um grande corredor de muros que, para a alegria da comunidade local, abandonou o cinza e partiu para as mais variadas cores e artes de diversos artistas, de Uberlândia e outras cidades do país. A ideia é realmente ser uma galeria a céu aberto.

“O Beco do Planalto é um corredor de arte para trazer aquele acalento. Entendendo que temos dificuldade de acesso aos locais de arte, a arte na rua tem o poder. Não tenho nenhum parque próximo à minha casa, mas eu posso sair com as crianças pela rua vendo arte. É um circuito criativo que fomenta a economia local, gera renda e quebra a ideia do ‘bairro dormitório’. Tudo acontece na cidade e quando eu volto para o meu bairro eu durmo. Não, meu bairro tem vida, tem cor, isso é o Jardim Urbano”, disse Preta em Flor.

Conforme relatado por Preta em Flor, vários artistas já foram convidados para deixarem suas participações no Beco do Planalto, mas há algo ainda mais importante no projeto: a potencialização do uso do grafite para a transformação social. A ideia é chamar a atenção de crianças e adolescentes para participarem do coletivo e desenvolverem capacidades artísticas.
 

“A arte salva. À medida que eu tenho um instrumento para que eu me manifeste, para que eu faça uma transformação, eu tenho uma válvula que transforma a vida de outras pessoas. Vão sendo criadas redes de afeto e cuidado. Entendendo o grafite como arte periférica, trata-se sempre de um coletivo. O grafite precisa ser uma forma de sensibilização e reconhecimento na cidade”, comentou Preta.


A uberlandense Amanda Fonseca, conhecida no meio do grafite como Queen, pode ser considerada uma artista da nova geração de grafiteiros de Uberlândia. Ela integra o projeto do Jardim Urbano há menos de um ano, e criou o seu primeiro grafite no Beco do Planalto recentemente. 

De acordo com Queen, de 28 anos, ela já trabalhava com arte fazendo tatuagens, mandalas e pinturas a óleo. Foi através de um convite de Dequete que ela teve a oportunidade de ter sua arte vista por vários uberlandenses nos muros da cidade. A pintura de uma mulher preta pode ser conferida na rua Costureira.

“Eu fiquei muito feliz com o convite, gosto de pintar pessoas pretas, porque as pessoas pretas têm uma beleza que merece ser enaltecida. Criei aquela menininha e estou muito feliz e realizada de poder espalhar a minha arte. É a primeira vez que faço minha arte em um muro, fico contente de ficar no meio da galera que já está no corre há muitos anos”, disse Queen.



 

CENÁRIO EM UBERLÂNDIA
Natural de São Bernardo do Campo (SP), Lucas Castro, chamado de Onec na cena artística uberlandense, começou no grafite ainda em 2002 em sua cidade natal, quando era adolescente. A integração com a arte urbana é de família e tem forte relação com a cultura do hip-hop e do basquete. A irmã era artista e os tios sabiam dançar break dance, o que acabou o aproximando da comunidade grafiteira.

Vivendo em Uberlândia há 10 anos, Onec conta que o cenário mudou muito desde que ele começou a se interessar pela expressão artística. Antigamente, o grafite era amplamente marginalizado pela população. Ainda há preconceito com os grafiteiros, mas a situação nos dias atuais costuma ser mais tranquila para quem atua na área.

“Antigamente, só de ver uma pessoa com um spray já existia a marginalização. Uberlândia ainda tem muito o que evoluir, mas melhorou bastante. Muitas pessoas acabam condenando sem mesmo saber do que se trata, mas agora está na moda, é bonito. A população aqui acaba não valorizando os artistas, é difícil quebrar essas barreiras”, disse Onec.

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Quem também contribuiu diretamente com a arte grafiteira na cena uberlandense é Cleiton Rocha dos Santos, popularmente conhecido como Kakko. Atualmente, ele trabalha na Caravana de Prevenção às Drogas, da Prefeitura de Uberlândia, e percorre diariamente escolas públicas, comunidades terapêuticas e presídios, com atividades que estimulam o desenvolvimento de hábitos saudáveis e a vivência em comunidade.

Em entrevista ao Diário, Kakko comentou que o grafite age como um transformador na vida das pessoas, especialmente através de seu projeto pessoal, intitulado de “A Rua Ensina”. A iniciativa acontece todos os meses no bairro Shopping Park através de oficinas de arte urbana para a comunidade local.
 

“O meu propósito é aprender para ensinar. A minha fala é com os jovens que estão em áreas de vulnerabilidade, sempre falando de resiliência. O grafite transformou a minha vida, então eu passo diversas ideias. O grafite não é só tinta na parede, é arte, é moda, é sustentabilidade. Quero que as pessoas sejam melhores para o nosso mundo”, detalhou Kakko.


Ainda segundo ele, o objetivo do programa não é necessariamente tornar os jovens da comunidade artistas e grafiteiros. O mais importante, conforme relatado por Kakko, é tirar as crianças e os adolescentes do mundo da criminalidade, algo que muitas vezes foge do controle, sobretudo em regiões periféricas e com vulnerabilidades sociais e econômicas.

“Muitos jovens veem na latinha de spray uma oportunidade de seguir esse caminho, eles podem expressar seus sentimentos por meio da arte. Nesse trabalho que a gente faz, acabamos perdendo alguns jovens, eles se perdem no caminho. Eu uso o grafite para transformar a vida da criançada. O grafite é uma ferramenta de transformação”, explicou.

 

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